Livro: Geometria Sagrada - Nigel Pennick









Nigel Pennick

GEOMETRIA SAGRADA
SIMBOLISMO E INTENÇÃO NAS ESTRUTURAS RELIGIOSAS


Tradução de ALBERTO FELTRE

EDITORA PENSAMENTO
São Paulo
1980



Índice

Introdução 
1. Os Princípios da Geometria Sagrada 
2. As Formas 
3. A Geometria Britânica Antiga 
4. A Geometria Sagrada Egípcia Antiga 
5. A Geometria Sagrada Mesopotâmica e Hebraica
6. Grécia Antiga 
7. Vitrúvio.
8. Os Comacinos e a Geometria Sagrada Medieval
9. Simbolismo Maçônico e Prova Documental 
10. Problemas, Conflitos e Divulgação dos Mistérios
11. A Geometria Sagrada da Renascença 
12. A Geometria do Barroco 
13. A Geometria Sagrada no Exílio
14. Ciência: O Verificador da Geometria Sagrada


A Albertus Argentinus, inventor do ad quadratum.

"Cada molécula de todo o universo traz gravada sobre ela a impressão de um sistema métrico, como o fazem nitidamente o metro dos Arquivos de Paris ou o côvado real duplo do Templo de Kamak.”
Sir William Herschel.

Gostaria de agradecer às seguintes pessoas por sua variada colaboração: Major Bernard HaswelI, de Westward Hol; Prudence Jones, de Cambridge; Martyn Everett, de Saffron Walden, e Michael Behrend, de Epsom.

Introdução

"O homem é a medida de todas as coisas, dos seres vivos que existem e das não-entidades que não existem.“
Protágoras (c. 481.411 a.C.)

A geometria existe por toda parte na natureza: a sua ordem subjaz à estrutura de todas as coisas, das moléculas às galáxias, do menor vírus à maior baleia. Apesar do nosso distanciamento do mundo natural, nós, os seres humanos, ainda estamos amarrados às leis. naturais do universo. Os artefatos singulares planejados conscientemente pela humanidade também têm sido baseados, desde os tempos mais antigos, em sistema de geometria. Esses sistemas, em­bora derivem inicialmente de formas naturais, freqüentemente as ul­trapassaram em complexidade e engenhosidade e foram dotados de poderes mágicos e de profundo significado psicológico.
A geometria - termo que significa "a medição da terra" ­ talvez tenha sido uma das primeiras manifestações da civilização em seu nasce douro. Instrumento fundamental que subjaz a tudo o que é feito pelas mãos humanas, a geometria desenvolveu-se de uma habi­lidade primitiva - a manipulação da medida, que nos tempos an­tigos era considerada um ramo da magia. Naquele período antigo, a magia, a ciência e a religião eram de fato inseparáveis, faziam parte do conjunto de habilidades possuídas pelo sacerdócio. As religiões mais remotas da humanidade estavam concentradas naqueles lugares naturais em que a qualidade numinosa da terra podia ser plais prontamente sentida: entre árvores, rochas, fontes, em cavernas e lugares elevados. A função do sacerdócio que se desenvolveu ao redor desses sítios de santidade natural foi a princípio interpretativa. Os sacer­dotes e as sacerdotisas eram os especialistas que podiam ler o signi­ficado em augúrios e oráculos, tempestades, ventos, terremotos e outras manifestações das energias do universo. As artes do xamanismo que os sacerdotes mais antigos praticavam permitiram, com uma sofisticação cada vez maior, um sacerdócio ritual estabelecido que exigiu símbolos externos de fé. Os penedos não desbastados e as árvores isoladas não mais se constituíam nos únicos requisitos para um local de adoração. Construíram-se compartimentos, que fo­ram demarcados como lugares santos especiais separados do mundo profano. No ritual exigido pelo novo plano, a geometria tornou-se inseparavelmente ligada à atividade religiosa.
A harmonia inerente à geometria foi logo reconhecida como a expressão mais convincente de um plano divino que subjaz ao mundo, um padrão metafísico que determina o padrão físico. Esta rea­lidade interior, que transcende a forma exterior, continuou a ser ao longo de toda a história a base das estruturas sagradas. Por essa razão é tão válido construir hoje um edifício moderno de acordo com os princípios da geometria sagrada quanto o era no passado em estilos tais como o egípcio, o clássico, o românico, o islâmico, o gótico, o renascentista ou o Art Nouveau. A proporção e a harmonia seguem naturalmente o exercício da geometria sagrada, que parece correta porque ela é correta, ligada como está metafisicamente à estrutura esotérica da matéria.
A geometria sagrada está inextricavelmente ligada a vários prin­cípios místicos. Talvez o mais importante deles seja aquele que se atribui ao fundador da alquimia, Hermes Trismegisto, o Três Vezes Grande Heimes. Esta máxima é o fundamental. "Acima, como abai­xo" ou "O que está no mundo menor (microcosmo) reflete o que está no mundo maior ou universo (macrocosmo)". Essa teoria da correspondência subjaz a toda a astrologia e também a grande parte da alquimia, da geomancia e da magia, no sentido de que a forma da criação universal está refletida no corpo e na constituição do homem. O homem, por sua vez, na concepção hebraica, foi criado à imagem de Deus - o templo que o Criador estabeleceu para hos­pedar o espírito que eleva o homem para cima do reino animal.
Assim, a geometria sagrada diz respeito não só às. proporções das figuras geométricas obtidas segundo a maneira clássica com o uso da régua e compassos, mas também às relações harmônicas das partes de um ser humano com um outro; à estrutura das plantas e dos animais; às formas dos cristais e dos objetos naturais - a tudo aquilo que for manifestações do continuum universal.

1. Os Princípios da Geometria Sagrada

Os princípios que norteiam disciplinas tais como a geomancia, a geometria sagrada, a magia ou a eletrônica estão fundamental­mente ligados à natureza do universo. Dogmas variáveis de diferentes religiões ou mesmo de grupos políticos podem ditar variações de forma externa, mas os fundamentos operatórios permanecem constantes. Pode-se fazer uma analogia com a eletricidade. Para que uma lâmpada elétrica se ilumine é preciso que várias condições sejam preenchidas. Uma determinada corrente deve alimentar a lâmpada por meio de condutores isolados com um circuito completo, etc. Essas condições não são negociáveis. Se algo não estiver correto, a lâmpada não se acenderá. Os técnicos de todo o mundo devem co­nhecer os princípios fundamentais, caso contrário falharão. Esses princípios transcendem as considerações políticas ou sectárias. Exe­cutado acertadamente, o circuito funcionará igualmente bem num estado comunista, sob uma ditadura militar ou num país democrá­tico - até mesmo em outro planeta.
Da mesma maneira, os princípios norteadores da geometria sa­grada transcendem as considerações religiosas sectárias. Como uma tecnologia que tem o objetivo de reintegrar a humanidade no todo cósmico, ela funcionará, como a eletricidade, para todas as pessoas que observarem os critérios, não importa quais sejam os seus prin­cípios ou propósitos. A aplicação universal dos princípios idênticos da geometria sagrada em lugares separados no tempo, no espaço e por crençàs diferentes atesta a sua natureza transcendental. Assim, a geometria sagrada foi aplicada nos templos pagãos do Sol, nos reli­cários de Ísis, nos tabernáculos de Jeová, nos santuários de Marduk, nos santuários erigidos em honra dos santos cristãos, nas mesquitas islâmicas e nos mausoléus reais e sagrados. Em todos os casos, uma cadeia de princípios imutáveis conecta essas estruturas sagradas.
A geometria é geralmente incluída na disciplina da matemática; todavia, a matemática numérica, na verdade, derivou da geometria, que possui uma ordem muito mais fundamental do que a mera ma­nipulação de números, que é criação do homem.



Nos nossos dias, as razões geométricas são invariavelmente expressas em termos matemáticos e parece impensável que a geometria pudesse ser separada da matemática. Todavia, a expressão matemá­tica de razões tais como o pi e a seção dourada é apenas uma con­venção engendrada para uma civilização letrada adestrada em figuras e em cálculo. Dizendo respeito em primeiro lugar às razões e às relações, a expressão da geometria em termos de números pertence a um período posterior do seu desenvolvimento. A complexa geo­metria do Egito antigo, que habilitou arquitetos e geômetras a medir o tamanho exato do país, estabelecer indicadores geodésicos e erigir vastas estruturas como as pirâmides, era uma arte prática que im­plicava no seu relacionamento com o número. Os geômetras gregos, cujo conhecimento eles próprios admitiam provir dos egípcios, continuaram no nível prático e não se aventuraram nos reinos da matemática complexa que só existe para provar aquilo que já se conhece. De fato, foi só no século XVII, com a ascensão do culto particularmente europeu protestante à ciência, que o cálculo preciso dos números irracionais tornou-se uma preocupação urgente.

A interpretação da geometria em termos de relações numéricas é uma racionalização intelectual posterior de um sistema natural para a divisão do espaço. Tal interpretação surgiu com o divórcio entre a geometria e o corpus de ciência, magia e metafísica que agora se conhece peto nome de religião antiga. Muitas razões de comprimento, como por exemplo as raízes quadradas da maioria dos números in­teiros, não podem ser expressas em termos de números inteiros e; assim, só podem ser apropriadamente descritas em termos geomé­tricos. Da mesma maneira, a divisão do círculo em 360 unidades conhecidas como graus no sistema babilônico convencional não é absoluta. Embora seja geometricamente derivada, é apenas uma ques­tão de conveniência.
O número, todavia, tal como expresso nas dimensões sagradas dos edifícios santificados, tem sido freqüentemente usado para ca­muflar a sua geometria sagrada subjacente. O Tabernáculo Hebraico e o Templo âescrito na Bíblia, e também as dimensões da Capela do King's College, em Cambridge, são tidos como medições que podem ser interpretadas pelos cognoscenti em termos de geometria mística. O rei Henrique VI só poderia conceber a forma da sua Capela em Cambridge em termos de medidas que não divulgassem os mistérios maçônicos aos não-iniciados. Reginald Ely, seu mestre maçom, teve de desenhar as dimensões como um plano que deter­minasse a geometria ad triangulum inerente àquelas dimensões. Por ser a geometria uma imagem da estrutura do cosmos, ela pode ser facilmente utilizada como um sistema simbólico para a com­preensão de várias estruturas do universo. Essa função simbólica é exemplificada por um instrumento científico pouco conhecido que foi usado nos tempos pré-coloniais para ensinar aos meninos polinésios os fundamentos da navegação. Embora os polinésios não tenham possuído nenhum dos instrumentos agora tidos como necessários à navegação - o sextante, o compasso e o cronômetro -, eles eram capazes de viajar regularmente através de grandes extensões do ocea­no e chegar aos seus objetivos. Valendo-se das estrelas e de outras características físicas - como a presença de bancos de nuvem sobre a terra -, os navegadores polinésios podiam detectar a presença de ilhas, mas o método mais útil era a leitura das ondas. Assim como qualquer outro objeto marítimo, uma rocha por exemplo, exercerá um efeito sobre o padrão das ondulações, também a presença de uma ilha, em escala muito maior, causará padrões de difração nas ondas a muitas milhas de distância.
A ciência do reconhecimento das ondas era ensinada aos meninos por meio de um sistema mnemônico, o mattang. Em sua forma característica, esse instrumento, composto de varetas dispostas num pa­drão geométrico preciso, apresentava estranham ente algumas das idéias da geometria sagrada européia. Esse dispositivo geométrico mostrava aos discípulos todos os padrões básicos que as ondas formam quando são dobradas pela terra. Da mesma maneira, todos os padrões geométricos refletem, além disso, verdades que estão muito além das suas simples derivações, mesmo os complexos relaciona­mentos com outras geometrias. A estrutura deles está em harmonia com o universo e com todas as formas físicas, estruturais e psico­lógicas que constituem a sua unicidade.



Desde os tempos mais antigos, a geometria foi inseparável da magia. Mesmo os riscadores-de pedra mais arcaicos têm forma geo­métrica. Eles apontam para um sistema notacional e invocacional praticado por algum antigo sacerdócio. Pelo fato de as complexida­des e as verdades abstratas expressas pela forma geométrica só poderem ser explicadas como reflexos das verdades mais íntimas da substância do mundo, elas eram consideradas como mistérios sagra­dos da ordem mais elevada e eram ocultadas dos olhos profanos. Um conhecimento especial era exigido para se desenhar tais figuras e a sua importância mística era ignorada pelas massas sem instrução. Os conceitos complexos eram transmitidos de um iniciado a outro por meio de símbolos geométricos individuais, ou combinações deles, sem que o ignorante nem ao menos suspeitasse de que estava ocorrendo uma comunicação. Como o sistema moderno de símbolos se­cretos empregado pelos ciganos, eles deveriam constituir-se em enigmas embaraçosos para o curioso.
Toda forma geométrica está investida de significado psicológico e simbólico. Assim, tudo aquilo que é feito pelas mãos do homem e que incorpora esses símbolos de uma maneira ou de outra torna-se um veículo para as idéias e as concepções corporificadas em sua geometria. Através dos tempos, as geometrias simbólicas complexas agiram como a base para a arquitetura sagrada e profana, variando a geometria de acordo com a função. Algumas geometrias continuam sendo ainda hoje poderosas imagens arquetípicas da fé: logo acorre à nossa mente, com símbolo do judaísmo, o hexagrama. Outras geo­metrias foram menos conhecidas pelo público, sendo usadas para indicar àqueles que "estavam a par" alguma verdade esotérica, como o vesica piscis do tampo da Fonte Chalice em Glastonbury. Outras, todavia, estão ocultas nas profundezas dos artefatos místicos - ou até mesmo nas brincadeiras das crianças.
Uma brincadeira bastante comum entre escolares é uma reminiscência de um antigo sistema de geometria sagrada. Conhecido como "ler a sorte", o jogo envolve a dobradura de um quadrado de papel de uma determinada maneira. De qualquer jeito que o abrirmos, sempre se nos revelará uma de quatro opções. A dobra­dura do papel e a forma que ele toma quando desdobrado são um dispositivo mnemônico para a criação da geometria ad quadratum usada pelos antigos maçons.
Toma-se um quadrado de papel e dobram-se os quatro cantos de maneira que eles se encontrem. Este procedimento produz um novo quadrado, cuja área corresponde à metade do quadrado ori­ginal. Estes cantos - são novamente dobrados de dentro para fora, o que cria um outro quadrado correspondente à metade do anterior e produz uma divisão óctupla. Pode-se fazer, a partir daí, uma fi­gura tridimensional, com dois grupos de "vértices" que podem ser abertos e fechados à vontade. A associação dessa geometria muito bem definida com a leitura da sorte pode ser perfeitamente o resíduo deteriorado de um antigo sistema de adivinhação, pois o padrão assim formado não só reproduz a configuração básica do ad quadratum, mas também o esboço tradicional do desenho do horóscopo. Este último padrão combina de maneira engenhosa a divisão óctupla pagã do quadrado com a divisão duodécupla oriental do zodíaco.


O uso de formas geométricas é bastante conhecido na magia ritual, tanto para a evocação de espíritos e poderes quanto para a proteção do mágico contra suas cortesias malévolas. Cada espírito tem tradicionalmente um sigilo ou padrão geométrico associado ao seu nome, por meio do qual, com conjuras e rituais apropriados, ele pode ser contactado. Muitos desses sigilos são expressões geomé­tricas dos nomes e são produzidos pelo traçado de números equiva­lentes às letras sobre. quadrados mágicos. A determinação dos nú­meros equivalentes aos nomes é conhecida como gematria. Nos alfabetos grego e hebraico, cada um dos caracteres representa não só um som, mas também um equivalente numérico. Assim, o nome Israel poderia ser escrito em hebraico da seguinte maneira: Yod Shin Resh Aleph Lamed. Esses caracteres têm o equivalente numé­rico 10, 300, 200, 1, 30 = 541. Uma convenção da gematria per­mite, assim, que outras palavras de valor numérico equivalente pos­sam ser usadas como seus substitutos. Os cabalistas, durante muitos séculos, estudaram o significado oculto do livro de Isaías segundo esses critérios. A substituição de uma palavra por outra pode ser usada como um método oculto de comunicação que elimina a ne­cessidade de se usar um nome que tenha poderes especiais próprios. Também é possível traçar esquemas a partir das posições ocupadas pelos números nos quadrados mágicos. Assim, o nosso exemplo, Israel, esquematizado sobre o Quadrado Mágico do Sol, cria um sigilo específico que pode ser depois transferido para os utensílios mágicos, etc. (ver Figura 4).


Onde quer que a geometria tenha sido usada, consciente ou inconscientemente, o seu simbolismo ainda se faz presente. Através de todo o universo conhecido, a função da sua geometria é um valor imutável da existência transitória. Os artistas e os mágicos reconheceram essa qualidade transcendental e, em conseqüência, constituí­ram a base imutável sobre a qual está apoiado o tecido da cultura. Através de toda a história registrada, o geômetra trabalhou silencio­samente em sua arte, fornecendo a matriz interna sobre a qual se baseiam as formas externas.


2. As Formas

São muito poucas as formas geométricas básicas das quais se compõe toda a diversidade da estrutura do universo. Cada uma delas é dotada de propriedades únicas e detém um simbolismo esotérico que permaneceu imutável ao longo da história humana. Todas essas formas geométricas básicas podem ser facilmente produzidas por meio dos dois instrumentos que os geõmetras têm usado desde a aurora da história - a régua e o compasso. Figuras universais, sua cons­trução não exige a utilização de nenhuma medição; ocorrem em todas as formações naturais, nos reinos orgânico e inorgânico.

O círculo

Talvez o círculo tenha sido o símbolo mais antigo desenhado pela raça humana. Simples de ser executado, é uma forma cotidiana encontradiça na natureza, vista nos céus como os discos do sol e da lua, e ocorre nas formas das plantas e dos animais e nas estru­turas geológicas naturais. Nos tempos antigos, as construções, fos­sem elas temporárias ou permanentes, eram circulares em sua grande maioria. Os nativos americanos tipi e os yurt mongólicos atuais são sobreviventes de uma antiga forma universal. Dos círculos de cabanas da Grã-Bretanha neolítica, desde, os círculos de pedra megalíticos até as igrejas e os templos redondos, a forma circular imitou a redondeza do horizonte visível, fazendo de cada construção, na verdade, um pequeno mundo em si mesmo.
O círculo representa o completamento e a totalidade, e as estruturas redondas ecoam peculiarmente esse princípio. No Rosa­rium Philosophorum, um antigo tratado aIquímico, lemos a seguinte afirmação:

"Faze um círculo ao redor do homem e da mulher e desenha fora dele um quadrado e fora do quadrado um triângulo. Faze um círculo ao redor dele e terás a pedra dos filósofos.”

O círculo contém aí a imagem do homem, como no famoso desenho virtuoso de Leonardo da Vinci. Com base nesta figura fun­damental, pode-se produzir o quadrado e, depois, as outras figuras geométricas. A pedra dos filósofos, a súmula de todas as coisas e a chave para o conhecimento, é produzida dessa maneira e representada pelo círculo, a figura matriz de que podem ser geradas todas as outras figuras geométricas. Com régua e compasso, todas as fi­guras importantes eram produzidas simples e elegantemente. Essas figuras - o vesica piscis, o triângulo eqüilátero, o quadrado, o hexá­gono e o pentágono -, todas elas mantêm relações diretas umas com as outras.

O quadrado

Os templos antigos eram freqüentemente construídos em forma quadrilátera. Representando o microcosmo e, em conseqüência, considerada como um emblema da estabilidade do mundo, essa carac­terística era especialmente verdadeira para as representações artifi­ciais de montanhas que reproduziam o mundo, para os zigurates, as pirâmides e as estupas. Essas estruturas simbolizavam o ponto de transição entre o céu e a terra e centralizavam idealmente o omphalos, o ponto axial do centro do mundo.
Geometricamente, o quadrado é uma figura única. Pode ser dividido com precisão por dois e por múltiplos de dois apenas com um esboço. Também pode ser dividido em quatro quadrados quando se faz uma cruz que define automaticamente o centro exato do quadrado. O quadrado, orientado para os quatro pontos cardeais (no caso das pirâmides egípcias, com um exatidão fenomenal), pode ser novamente bisseccionado por diagonais, que o dividem em oito triângulos. Essas oito linhas, partindo do centro, formam os eixos que indicam as quatro direções cardeais e os "quatro cantos" do mundo - a divisão óctupla do espaço.
Essa divisão óctupla do espaço é venerada no "caminho óctu­pIo" da religião budista e nas "Quatro Estradas Reais da Grã-Bre­tanha" relatadas minuciosamente na History of the Kings of Britain, de Geoffrey of Monmouth. Cada uma das direções, no Tibete, es­tava sob a guarda simbólica hereditária de uma família, tradição que encontrou paralelo na Grã-Bretanha nas oito Famílias Nobres que sobreviveram à Cristianização e produziram os reis e os santos da Igreja Celta.
A divisão óctupla do quadrado era; na tradição européia, um emblema da divisão do dia e do ano, bem como da divisão do país e da sociedade. Embora a divisão óctupla do tempo fosse gradualmente eliminada com o advento do sistema duodécuplo dos cristãos, ela sobreviveu nos antigos quarterdays [primeiro dia de um trimestre] do calendário, nas tradicionais festas do fogo nos países pagãos e na geometria maçônica da arquitetura sagrada do sistema acht uhr ou ad quadratum. Voltarei a esse assunto importante num capítulo posterior.


O hexágono


O hexágono é uma figura geométrica natural produzida pela divisão da circunferência de um círculo por meio dos seus raios. Os pontos da circunferência são conectados por linhas retas e produzem uma figura com seis lados iguais.
Sendo uma função da relação entre o raio e a circunferência do círculo, o hexágono é uma figura natural que ocorre em toda a natureza. É produzido naturalmente na fervura e na mistura de líquidos. O físico francês Bénard observou, durante as suas experiências de difusão em líquidos, que os padrões hexagonais se formavam freqüentemente em toda a superfície. Tais tourbillons cellulaires, ou "células de Bénard", foram objeto de muitos experimentos. Verifi­cou-se que, em condições de perfeito equilíbrio, os padrões forma­vam hexágonos perfeitos. Esses padrões eram semelhantes aos das células que constituem a vida orgânica ou as formas prismáticas das rochas basálticas. Sujeitos às mesmas forças universais de viscosidade e de difusão, padrões similares são criados naturalmente num líquido fervente.
O hexágono natural mais bem conhecido é aquele que se vê nos favos das abelhas. Esses favos são formados de uma reunião de prismas hexagonais cuja precisão é tão espantosa, que atraiu a atenção de muitos filósofos, que viam neles uma manifestação da harmonia divina na natureza. Na Antigüidade, Pappus, o Alexandri­no, dedicou a sua atenção a esse esquema hexagonal e chegou àconclusão de que as abelhas eram dotadas de uma "certa intuição geométrica", com a economia como princípio orientador, pois, "existindo três figuras que podem ocupar o espaço que circunda um ponto - a saber, o triângulo, o quadrado e o hexágono -, as abelhas escolheram sabiamente como sua estrutura aquela que pos­sui mais ângulos, suspeitando com certeza que ela poderia conter mais mel do que qualquer uma das outras duas".
Em minhas próprias pesquisas sobre a estrutura dos microrga­nismos marinhos, encontrei o hexágono na forma externa da Pyra­mimonas virginica, uma alga marinha norte-americana. Nela, as bases das estruturas que cobrem o corpo do organismo formam hexágonos perfeitos, embora elas sejam menores que o comprimento da onda da luz visível. Essa geometria natural sobre a qual o autor romano Plínio nos conta que os homens fizeram do seu estudo o trabalho de toda uma vida em sua época, é de interesse especial para o geômetra místico.
A relação direta do hexágono com o círculo está ligada a uma outra propriedade interessante segundo a qual os vértices alternados dessa figura podem ser conectados por linhas retas para a produção do hexagrama. Essa figura, composta de triângulos eqüiláteros que se interpenetram, simboliza a fusão dos princípios opostos masculino e feminino, quente e frio, água e fogo, terra e ar, etc. e é, por conseguinte, símbolo da inteireza arquetípica, o poder divino da criação. Assim, foi usada na alquimia e continua sendo o símbolo sagrado dos judeus ainda em nossos dias. As dimensões dos triângulos que formam o hexagrama estão diretamente relacionadas ao círculo que as produz e podem ser o ponto de partida para desenvolvimentos geométricos.

O vesica piscis, o triângulo e os sólidos platônicos

O vesica piscis é aquela figura que se produz quando dois cír­culos de igual tamanho são desenhados, um a partir do centro do outro. Em termos geométricos sagrados, trata-se do ponto de deri­vação do triângulo eqüilátero e da linha reta que parte do círculo. Representou os órgãos genitais da Deusa Mãe, o ponto físico de origem da vida simbolizada por sua posição fundamental na geo­metria. Por essa razão, ocupou uma posição privilegiada na cons­trução de edifícios sagrados. Dos círculos de pedra e dos templos mais antigos até as catedrais do período medieval, o ato inicial da construção foi relacionado ao nascer-do-sol de um dia predetermi­nado. Esse nascimento simbólico do templo com o novo sol é um tema universal e sua conexão com o vesica de forma genital não é mero acidente. A geometria do templo hindu, como as das suas con­trapartidas espirituais da Ásia Menor, da África Setentrional ou da Europa, está registrada como sendo diretamente derivada da sombra de um poste ou gnomon. O Manasara Shilpa Shastra, um antigo texto sânscrito sobre construção de templos, detalha a derivação do plano a partir da orientação.
Escolhido o sítio por um praticante de geomancia, um poste era cravado no chão naquele local. Um círculo era desenhado ao seu redor. Esse procedimento produz um eixo leste-oeste verdadeiro. De cada ponta desse eixo, desenhavam-se arcos, produzindo-se então um vesica piscis que, por sua vez, fornecia um eixo norte-sul. Assim, o vesica universal era fundamental para a construção do templo. Com base nesse vesica inicial, desenhava-se um outro a partir do ângulo reto e, com base nele, um círculo central e depois um quadrado dirigido para os quatro quartos da terra.
O sistema hindu de construção pode ser considerado fundamentalmente idêntico ao utilizado no método romano de construção de cidades e descrito nas obras de Vitrúvio. É produzido por obser­vação direta e, assim, reproduz as condições predominantes no mo­mento exato da fundação. Essa fixação no tempo, como o momento do nascimento na astrologia, é fundamental em todas as práticas de orientação, exatamente como um alinhamento incorporaria automa­ticamente os atributos astronômicos e astrológicos do tempo. Além disso, as características geomânticas do local, que lhe conferem uma feição única, são incorporadas ao templo.
O vesica não está envolvido na construção por princípios arbi­trários. Ele é o ponto prático de partida do qual derivam todas as outras figuras geométricas. Dividindo-se o vesica com uma linha que passa pelos centros dos dois círculos, unindo-se os seus vértices co­muns e, para um lado e para o outro, ligando-se esses vértices aos pontos em que a linha vertical cruza os círculos, obtêm-se dois triân­gulos eqüiláteros. Os lados desses triângulos são de comprimento igual ao raio do círculo gerador. Com base no triângulo eqüilátero, pode-se produzir facilmente o hexágono e o icosaedro. Em termos esotéricos, toda a série de sólidos geométricos regulares conhecida universalmente como Sólidos Platônicos pode ser produzida a partir de figuras planas.
No Timeu, Platão escreveu: "Ora, a figura [triângulo] que te­nho dito ser a mais bela de todos os muitos triângulos (não é ne­ o cessário falar dos outros) é aquela cujo duplo forma um terceiro triângulo que é eqüilátero (...) escolhamos então dois triângulos, com que foram construídos o fogo e outros elementos, um isósceles, tendo o outro o quadrado do lado maior igual a três vezes o qua­drado do lado menor".
No sistema de Pia tão, o simbolismo geométrico encarrega-se de registrar todos os estados conhecidos da matéria. Especialmente importante era a série de figuras sólidas que era a essência da sua filosofia. Por meios ocultos, toda a série era simbolizada numa figura agora ostentada pelos franco-maçons do grau do Santo Arco Real. Esse símbolo é o triângulo eqüilátero circunscrito num hexagrama. "Analisa"-se seu simbolismo somando-se os valores dos ângulos produzidos pelas várias partes e dividindo-se por tantos ângulos retos que tiverem igual valor. Esse método arcano possibilita que qualquer figura geométrica seja "analisada" e, assim, impregna a sua simplicidade com um rico simbolismo que foi explorado a fundo pelos arquitetos de construções sagradas.
O triângulo eqüilátero determinado dentro do tetraedro é igual em valor geométrico aos oito ângulos retos - o número de graus em quatro triângulos eqüiláteros. Em virtude de ser o menor sólido geométrico regular e por causa da sua forma piramidal, foi utilizado pelos platônicos para representar o elemento fogo.


Os triângulos "determinados" no hexagrama ou Sigilo de Sa­lomão, sem levar em consideração as intersecções (que convencio­nalmente são mais entrelaçamentos do que junções), são equiva­lentes a dezesseis ângulos retos. Este é o número contido no octaedro, o sólido platônico composto de oito triângulos eqüiláteros de lados iguais. Ele foi atribuído pelos platônicos ao elemento ar, o mais próximo do tetraedro em leveza.

Ignorando-se as intersecções, à Sigilo de Salomão, com seu triângulo menor superposto, se igualará ao número de graus dos 24 ângulos. Este é o número que está no cubo, um sólido composto de seis quadrados iguais. Essa figura sólida e fixa simbolizava para os platônicos o elemento terra. Ele representou universalmente esse elemento onde quer que ele ocorresse na geometria sagrada - a base quadrangular do templo e da Cidade Sagrada, plantada fixa­mente sobre o omphalos.
O triângulo invertido do sigilo, com o triângulo menor circuns­crito, somado ao triângulo maior do hexagrama voltado para cima, perfaz quarenta ângulos retos, iguais em graus àqueles que estão no icosaedro, um regular formado por vinte triângulos eqüiláteros de lados iguais. Este é o sólido regular mais pesado formado por triângulos. Próximo ao cubo em peso, o icosaedro representou o elemento água. Assim, considera-se que toda forma que derivou do hexagrama, com seu triângulo interno, incorpora todos os sólidos platônicos e, por associação, os quatro elementos - um atributo da universalidade e um símbolo da lei da unidade dos opostos.

A Seção Dourada

A Seção Dourada é uma razão que foi usada na artesania so­fisticada e na arquitetura sagrada do Egito antigo. No antigo Egito e na Grécia, ocorreu um uso extensivo daquilo que Jay Hambidge, geômetra do início do século XX, chamou de "simetria dinâmica". Os objetos e os edifícios sagrados egípcios e gregos possuem geo­metrias baseadas na divisão do espaço conseguida pelos retângulos de raiz e seus derivados. Os retângulos de raiz são produzidos dire­tamente do quadrado por simples desenho com um compasso e, assim, fazem parte da geometria clássica, produzida sem medição.
Existe toda uma série de retângulos de raiz. O primeiro dos retângulos de raiz é o quadrado, que é um retângulo "de raiz 1". O seguinte, o retângulo V2, é produzido a partir do quadrado por meio do simples expediente de se colocar o compasso no compri­mento da diagonal e fazer a linha de base encontrar a linha traçada a partir daquele vértice. Esse procedimento torna o comprimento do lado longo igual à raiz quadrada de 2, tomando-se o lado curto como unidade. O retângulo V3 é produzido a partir da diagonal desse retângulo, e assim por diante.

Embora os lados desses retângulos não sejam medidos em ter­mos de número, os gregos diziam que essas linhas não eram irra­cionais porque eram mensuráveis em termos dos quadrados produ­zidos por elas. A mensurabilidade em termos da área do quadrado, em vez do comprimento, era o grande segredo da antiga geometria sagrada grega. O famoso teorema de Pitágoras, conhecido de todo escolar, só é compreensível em termos da medida do quadrado. Por exemplo, a relação entre o final e o lado de um retângulo V5 é uma relação de área porque o quadrado construído ao final de um retângulo V5 é exatamente um quinto da área de um quadrado construído sobre seu lado. Tais retângulos possuem a propriedade de serem divididos em formas muito menores que também são partes mensuráveis do todo.

Isto nos leva a um outro fator fundamental no desenho da arquitetura sagrada: a proporção e a sua irmã siamesa, a comensu­rabilidade. A música o demonstra admiravelmente em suas harmo­nias e, com efeito, já se disse que a música é na realidade a geometria traduzida em som, pois na música pode-se ouvir as mesmas harmonias que sustentam a proporção arquitetônica. A comensura­bilidade, que garante harmonia completa em toda a construção ou obra de arte, é uma integração racional de todas as proporções de todas as partes de uma construção de maneira que toda parte tenha forma e tamanho absolutamente fixos. Nada pode ser acrescentado ou removido desse conjunto harmonioso sem romper a harmonia do todo. Certos retângulos, que são o ponto de partida para figuras geométricas relacionadas, geralmente constituem as bases de tais pa­drões harmonizadores.

Retângulos que possuem as razões lado: lado iguais a 3:2, 5:4, 13:6, etc., em que as proporções são expressas em números inteiros, têm recebido o nome de retângulos estáticos. Retângulos do tipo dos retângulos de raiz têm sido chamados de retângulos dinâmicos. Esses últimos são mais encontradiços na composição geométrica. Eles per­mitem uma flexibilidade muito maior de uso do que os retângulos estáticos, especialmente quando são usados para se estabelecer a harmonia dos elementos pela proporção.
Há alguns retângulos que combinam as características dos retângulos estáticos e dinâmicos. São o quadrado e o quadrado duplo (1 = 1:1 = V1:1 e 2 = 2:1 = V4:1). A diagonal do qua­drado duplo, que talvez seja a forma mais favorecida pelos edifícios sagrados, é V5. Esse número irracional relaciona diretamente o re­tângulo de raiz 2 ou de raiz 4 ao retângulo de raiz 5, que está diretamente relacionado a proporção V5 + 1  da seção dourada.
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Essa importante razão, chamada de Seção pelos gregos antigos, de Proporção Divina por Luca Pacioli (1509) e de Seção Dourada por Leonardo e seus seguidores, tem propriedades únicas que a recomendaram aos geômetras desde os tempos egípcios.
A Seção Dourada existe entre duas quantidades mensuráveis de qualquer espécie quando a razão entre a maior e a menor é igual à razão entre a soma das duas e a maior delas. Em termos geométricos, ela pode ser facilmente produzida a partir do quadrado duplo. Se um dos dois quadrados for cortado ao meio e a diagonal dessa metade for levada para baixo em direção à base, o lugar em que ela corta a base representará 1,618 unidades em relação ao lado do quadrado que tem unidade 1 de comprimento. A razão também pode ser produzida a partir do pentagrama e está associada ao pentágono, quando então a razão entre o lado do pentágono e a sua extensão para o pentagrama obedece à equação V5 + 1  = 1,618...
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Na convenção geométrica grega, isto está simbolizado pela letra grega (I). Numericamente, possui propriedades algébricas, matemáticas e geo­métricas excepcionais. (I) = 1,618; (I) = 0,618 e (I) 2 = 2,618.
Em toda progressão ou série crescente de termos que tem como a razão entre os termos que se sucedem, cada termo é igual à soma dos dois precedentes. Esta propriedade singular permite a manipu­ lação de toda a série. Todos os outros termos sucessivos podem ser construídos, a partir de dois deles, por movimentos simples do com­passo.
Em termos numéricos, essa série aditiva foi popularizada peja primeira vez na Europa por Leonardo Bigollo Fibonacci, conhecido como Leonardo da Pisa. Nascido em 1179, Leonardo viajou com seu pai para Algiers, onde aprendeu, com os geômetras árabes, o segredo da série e por essa razão pôde introduzir os números arábicos na Europa. Ambos os conceitos revolucionaram a matemática européia.
Esta série numérica, conhecida agora pelo nome de Série Fibo­nacci, foi há muito tempo reconhecida como um princípio que ocorre na estrutura dos organismos vivos e, por conseguinte, um princípio inerente à estrutura do mundo. Sua construção é enganosamente fá­cil: o termo seguinte é a soma dos dois termos anteriores, isto é, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, e assim por diante. O arranjo das folhas de um vegetal, os hipotênares da pata do gato e as es­pirais das conchas formainíferas microscópicas são governados peja Série Fibonacci.
A Seção Dourada tem sido reverenciada através de toda a his­tória. Platão, em seu Timeu, discutiu-a como a chave da física do Cosmos. Luca Pacioli, geômetra renascentista, publicou sua influente obra De Divina Proportione em Veneza em 1509 e até mesmo o arquiteto moderno Le Corbusier, pai dos grupos de prédios, planejou um sistema modular de proporção baseado nessa antiga mas pode­rosa razão.

3. A Geometria Britânica Antiga

"As estruturas sagradas e culturais pró-cristãs só podem ser compreendidas se se adotar o ponto de vista dos antigos. Para eles, todas as coisas mun­danas estavam vinculadas às coisas divinas. Todos os pensamentos e todas as ações humanas estavam subordinados às influências energizantes das forças divinas onipotentes. Sua filosofia e sua sabedoria culminaram no conhecimento de que como o acima, assim também o abaixo e na tentativa de harmo­nizar todas as suas atividades e ambições com a natureza superior, a Vontade Divina.”
Josef Heinsch.

Espalhados por todas as Ilhas Britânicas e por toda a Europa Setentrional estão os últimos remanescentes de uma cultura perdida há muito tempo: as pedras eretas. Lembranças grosseiras de uma era quase inimaginavelmente distante, os megalitos da Europa ainda so­brevivem em número considerável. Apesar de talvez a maior parte deles ter desaparecido nos 3.000-5.000 anos que se passaram desde que foram erigidos, muitos sítios ainda sobrevivem virtualmente intactos.. Alguns desses megalitos enigmáticos são solitários e desbas­tados; outros estão arranjados em formações complexas. Mas há ou­tros que foram enfeitados e apresentam entalhes tanto figurativos quanto abstratos.
Alguns dos entalhes mais arcaicos e enigmáticos que foram executados sobre rochas e que sobrevivem até hoje são os sinais. de cá­lices e de anéis que podem ser encontrados nas pedras eretas e, menos comumente, nos afloramentos naturais de rochas. Durante muitas centenas de anos, esses entalhes foram fontes de lenda, objeto de veneração para os supersticiosos e motivo de comentário e de especulação para os antiquários locais. Muitos comentadores eruditos aventuraram-se em discutir sobre sua função e seu significado, que ainda continuam a ser um quebra-cabeças a ser resolvido no campo da pesquisa pré-histórica.
Seus desenhos são variados, repetindo-se raramente, espalhados sobre a pedra sem qualquer ordem óbvia. Os sinais de cálices e de anéis consistem de pequenas depressões semelhantes a cálices, geralmente circulares, mas assumem ocasionalmente uma forma oval. Freqüentemente esses "cálices" estão cercados por anéis concêntri­cos. Às vezes são excêntricos ou aneliformes. Variam em número e podem ser associados a linhas radicais que atravessam completamente os anéis e às vezes ligam o sistema cálice-anel a um outro sistema, situado numa parte diferente da superfície da rocha. As espirais são raras, como também os entalhes que lembram escadas. Na Irlanda, são comuns os desenhos que semelham estrelas ou sóis redondos com linhas que delas saem imitando raios. Estes últimos correspon­dem a alguns dos hieroglifos dos antigos traços escandinavos exe­cutados sobre rochas conhecidos como hällristningar, que foram os precursores dos caracteres rúnicos. Embora esses petroglifos se es­tendam desde a Europa até a Ásia, variações locais são amiúde su­ficientes para distinguir as marcas de uma localidade das de outra.
Inúmeras conjecturas foram feitas no sentido de se compreender o significado dos sinais de cálices e de anéis. Os autores os classificaram como marcadores territoriais tribais, mapas de aldeias pré­históricas com suas estradas, "árvores" genealógicas, uma espécie de escrita indecifrada, canais para o sangue sacrificial, mapas das po­sições das pedras eretas ou casas figurativas dos mortos.

Um dos poucos estudos sistemáticos do significado desses sinais inescrutáveis foi executado pelo antiquário escocês Ludovic MacLeIlan Mann, um pesquisador independente cuja obra hoje pouco se conhece. Em 1915, publicou Archaic Sculpturings, em que confron­tou os resultados de um grande número de anos de pesquisa dos entalhes em rocha. Após a análise, MacLellan Mann chegou à con­clusão de que os sinais de cálices e de anéis faziam parte de um sistema coerente. Ein Archaic Sculpturings, MacLellan Mann escreveu:

"Alguns anos atrás (...) comecei a fazer um exame dos muitos grupos desses sinais e, para meu espanto, descobri que, em vez de os sinais terem sido feitos a esmo, eles estavam arranjados da maneira mais precisa, matemática e geométrica. (...) Embora essas esculturas ofereçam tipos marcadamente di. ferentes. elas foram executadas em obediência às mesmas idéias e segundo o mesmo sistema. Observei que as linhas retas podem ser desenhadas em determinadas partes, tais como ao longo dos conjuntos de canaletas freqüentemente metódicas ou através dos centros de três ou mais cálices ou conjuntos aneliformes. Quan­do executadas, estas linhas tinham de convergir precisamente para os pontos focais comuns situados além do campo das es­culturas. (...) Ao redor de cada um desses focos deveria estar um conjunto de zonas concêntricas, muitas das quais conformam as partes principais ou essenciais da obra esculpida tão exata e tão freqüentemente, a ponto de apontarem para algum fator que não é o acaso, o acidente ou a coincidência.”

A análise de Mann da geometria subjacente que ele descobriu nas marcas de cálices e de anéis foi interpretada em termos astronômicos. Há dois centros principais que determinavam os sinais pelas zonas radiais e concêntncas geradas a partir deles. Um centro, Mac Lellan Mann acreditava, era freqfientemente cortado por uma linha que representava uma linha norte-sul exata, e pelo outro centro pas­sava uma segunda linha norte-sul a quatro graus numa direção divergente. Assim, dois sistemas complementares de linhas encaixa­vam-se nas partes salientes dos talhes. Um relacionava-se ao norte terrestre - o pólo atual do planeta terra -, ao passo que o outro era determinado pela posição da estrela polar ou norte magnético. MacLellan Mann acreditava que sua grande radial, dentro da qual eram feitos os entalhes, era um sistema de referência que mostrava as posições dos corpos celestes em determinados momentos do ano. Esses entalhes astronômicos foram encontrados em todo o continente. Datando de mais de 30.000 anos, foram elaborados por sociedades iletradas, mas não pré-astronômicas.
Os fatos de astronomia foram lentamente acumulados durante séculos de observação direta e registro, uma técnica que não envolveu a utilização da escrita, tal como a conhecemos hoje. Os segredos da astronomia eram desvendados por ensaio e erro e pelo expediente da observação das estrelas. Tendo desenvolvido a função de elaboração de calendários, e daí a de registrar a atividade celestial, os sacerdócios antigos que organizaram tais assuntos precisavam de algum método para determinar o tempo preciso Ido ano para a realização de cada uma das suas observâncias práticas e rituais.
A necessidade fundamental de determinar os tempos precisos em que os ritos mágicos ou religiosos deveriam ser cumpridos é demonstrada nos dias atuais pelos rituais da tribo norte-americana dos hopi. Em determinadas épocas do ano, os sacerdotes e os membros das sociedades religiosas descem para os seus kivas (santuários sub­terrâneos) e observam as estrelas pela entrada vertical. Várias can­ções apropriadas e alguns gestos são executados durante o tempo em que as constelações importantes passam por sobre a entrada. A duração de toda a cerimônia é, assim, determinada pela passagem das estrelas. Dessa maneira, os ritos são harmonizados por observação direta com as condições- astronômicas e astrológicas predominantes.
Algo similar deve ter sido a motivação daqueles que construíram os observatórios megalíticos da Europa. A única maneira de fazê-Io era construir pontos de observação que medissem e definissem precisamente a passagem do tempo. Essa necessidade levou à desco­berta de que os cicIos de ascensão e de decIínio do sol, da lua e das estrelas não estão sujeitos a leis simples.
Esse despertar gradual na compreensão reflete-se nos restos da cultura megalítica da Grã-Bretanha, onde a arqueologia mostrou que os observatórios de pedra e de madeira foram reconstruídos a intervalos. Cada reconstrução incorporava incrementos progressivos em complexidade e sofisticação. A construção de observatórios cada vez mais complexos andava de mãos dadas com a invenção e o emprego de geometrias também cada vez mais complexas. Conhecimento con­siderável e destreza eram exigidos para o desenhó, o planejamento e a construção de um empreendimento tal como o de Stonehenge. Encontrar o sítio correto para a observação dos fenômenos celestes e a colocação ali de enormes pedras eretas que marcavam exata­mente a passagem dos corpos celestiais exigia uma ciência exata da geometria aplicada.


MacLellan Mann descobriu que ela existiu realmente A geo­metria subjacente que ele detectou nos sinais de cálices e de anéis também poderia ser descoberta numa escala muito maior. "O arqui­teto neolítico tardio", escreveu MacLellan Mann em Archaic Sculp­turings, "quando projetava, por exemplo, a planta baixa dos montes de pedra de Caithness, possuía essas mesmas noções curiosas. Estudei cuidadosamente as suas plantas baixas e elas mostram, exatamente como os cortes das rochas, o arco do círculo representado pelas estruturas laterais e a curva de uma elipse em cada final do mo­numento (...) os grupos aparentemente isolados, os grupos de pe­dras eretas muito distantes umas das outras e os conjuntos de en­ talhes de rochas destacados uns dos outros podem fazer parte de um desenho mais amplo".

Em 1937, durante escavações para obtenção de areia perto de Knappers, a sete milhas da cidade de Glasgow, foram descobertos os remanescentes de um antigo templo de madeira. Esses restos chamaram a atenção de MacLellan Mann. Ele os analisou, e também a paliçada serpentina a ele associada, e descobriu que seu desenho era comparável em escala maciça aos sinais de cálices e de anéis que havia estudado.
Em The Druid’s Temple near Glasgow, publicado em 1937, MacLellan Mann escreveu: "O esboço da área é sistemático e exato. Interpretando-se as dimensões lineares e angulares em períodos astronômicos recorrentes, cada figura de serpente pode ser identificada, a partir do comprimento de sua linha medial, com um ou outro dos corpos celestes - o Sol, a Lua e os cinco planetas -, ou com o espírito do mal do Ano do Eclipse. As várias paliçadas cir­culares parecem representar os períodos astronômicos principais, tais como o ciclo luni-solar de 19 anos ou o Ciclo Saras de 18 anos de 10 1/2 dias, ao final dos quais podem ocorrer os eclipses".



O "Templo dos Druidas" foi objeto de um grande interesse, mas o advento da Segunda Guerra Mundial impediu qualquer preserva­ção. Na época de MacLellan Mann, todavia, por causa da falta de recursos, pesquisas acuradas e análises de estruturas antigas não foram efetivadas em número muito grande. Até os estudos do Professor Thom, que o envolveram pessoalmente na pesquisa de cen­tenas de sítios megalíticos nas llhas Britânicas e na Bretanha, sen­timentos como aqueles expressos por MacLellan Mann podiam ser rejeitados pelas mentes conservadoras como fantasistas. As formas excêntricas, visíveis na maioria dos "círculos" de pedras, eram ge­ralmente atribuídas à incompetência dos seus construtores, que eram vistos, pelos cientistas da escola vitoriana, como selvagens de parco intelecto, muito pouco superiores aos macacos. O bom senso nos diz, entretanto, que técnicos que podiam transportar enormes pedras por distâncias consideráv'eis (por exemplo, o arenito cinzento de Mynydd Preseli, em Gales, levado para Stonehenge) achariam fácil demais traçar um círculo verdadeiro.
Todavia, as geometrias exigidas para a construção de observa­tórios para o estudo e a documentação dos fenômenos variáveis dos céus são muito mais complexas do que o traçar um simples círculo. Assim, formas mais complexas foram utilizadas.
Os grandes conjuntos megalíticos da Grã-Bretanha antiga, e certamente os círculos menores de pedras que pontilham as charnecas e as regiões inabitadas do país, foram conclusivamente demonstrados pelo Professor Thom terem sido planejados com precisão espantosa. Essa geometria exata envolveu o uso de triângulos retos integrais (triângulos "pitagóricos") executados com uma medida constante notável - 82,90 cm -, que Thom denominou de jarda megalí­tica (JM).
Os círculos de pedra excêntricos, longe de serem sintomáticos da falha técnica dos seus construtores, foram construídos de acordo com regras básicas específicas, baseadas em triângulos integrais. Os "círculos" Tipo 1 de Thom são de fato anéis em forma de óvo, baseados em dois triângulos retos 3:4:5 colocados um contra o outro. Outro "círculo" comum, o Tipo 2, também é baseado em dois triângulos 3:4:5, mas desta vez com uma hipotenusa comum. Outro, de organização mais complexa, segundo Thom, era produzido a partir de outros triângulos retos integrais tais como 5:12: 13 ou 8:15:17. Stonehenge é um amálgama complexo de círculos e elipses perfeitas e também pode ser analisado em termos de geometria convencional.
As pesquisas de MacLelÍan Mann e as descobertas complemen­ tares posteriores de Thom de linhas de visão do horizonte a partir de círculos de pedras ou de outras marcas com a intenção de obser­vação celestial e registro mostram o estágio seguinte do desenvolvimento do microcósmico para o macrocósmico, No começo deste século, Boyle Somerville e Sir Norman Lockyer haviam notado esses alinhamentos, mas, até os estudos exaustivos de Thom, eles não haviam passado de boas hipóteses.

Lockyer é mais bem conhecido por seu trabalho em Stonehenge e seus arredores, o distrito posteriormente estudado pela escola alemã de pesquisa geomântica. Durante as suas investigações, des­cobriu que a tão conhecida linha do nascer-do-sol do alto verão, que é marcada em Stonehenge pela famosa Pedra do Calcanhar, era apenas parte de um alinhamento maior de sítios antigos. Pesquisando a avenida que marca a posição do nascer-da-sol no dia mais longo do ano, quando contemplada do centro do círculo, Lockyer notou que ela se alinhava com a terraplenagem antiga de Sidbury HilI. Quando prolongada na direção oposta, essa linha se alinhava com Grbvely CastIe e com Castle Ditches, também terraplenagens an­tigas. Esse alinhamento fora notado anteriormente pelo Coronel Johnstone, então Diretor Geral de Reconhecimento da Artilharia. A linha fora utilizada num reconhecimento aperfeiçoado do distrito, que levou a um aumento da exatidão dos mapas de Reconhecimento da Artilharia. ­ 
A seção entre Grovely Castle e Stonehenge, que tem aproximadamente seis milhas de extensão, pareceu a Lockyer formar um dos lados de um triângulo eqüilátero cujo ápice está no sítio da antiga cidade de Old Sarum, também uma terraplenagem antiga. Old Sa­rum está no alinhamento Stonehenge-Old Sarum-Salisbury Catedral­Clearbury Ring-Frankenbury. Assim, o esboço de Stonehenge, cuja geometria foi desenhada segundo fatores celestiais, está integrado com a geometria da paisagem artificial do país, de acordo com as posições de outras terraplenagens antigas, e é definido por suas lo­calizações e as define.
Stonehenge combina muitas geometrias num esquema magistral. Relacionada a fenômenos celestes e ao território vizinho, está si­tuada num ponto geomântico chave em relação à geometria de toda a paisagem da Inglaterra meridional. O henge está situado sobre muitas linhas ley importantes, incluindo uma que parte da torre da igreja de St. Michael, que está no alto de Glastonbury Tor. Este ley, que vai de Glastonbury Tor até um túmulo situado em Deerleap Wood, perto de Dorking, no Surrey, passando por St Michael, Gare Hill, Maiden Bradley Priory, Stonehenge e Shere Church, é, como a linha do pôr-do-sol em Stonehenge, uma extensão do lado de uma figura geométrica de vastas dimensões. Nesse caso, é a extensão do lado de um decágono que liga pontos geomânticos vitais aos de um outro.
A geometria do henge, em si mesma, baseada no eixo solsticial, apresenta uma tendência à divisão sêxtupla. Este fato foi percebido desde a época de Inigo Jones (1652) e evocou comentários de místicos do porte de John Wood, Hermon Gaylard Wood e John Michell. A descoberta de Lockyer de um triângulo eqüilátero com lados que medem seis milhas liga a geometria sagrada sêxtupla mi­crocósmica à geometria da paisagem macrocósmica.
Lockyer, todavia, foi apenas um numa longa linha de pesqui­sadores que estudaram o alinhamento de sítios antigos. Entre 1870 e 1872, um perito em estradas romanas chamado William Henry Black tornou pública uma teoria surpreendente. Ele persistiu em seus estudos por cinqüenta anos antes de liberar os seus resultados a um público insensível e incrédulo. Black pretendia ter descoberto nada menos do que todo um sistema de "grandes linhas geométricas", radiais e poligonais, que cruzavam toda a Grã-Bretanha e avançavam para além dela. Elas ligavam de maneira precisa os maiores marcos de fronteiras, chegando a definir inclusive os marcos limítrofes dos municípios.
Anteriormente, esse conceito nunca fora corrente. Além de uma referência que se encontra num obscuro livro ocultista publicado em 1846 - feita em relação a uma linha de terraplenagens antigas em Wiltshire -, até mesmo os alinhamentos não haviam recebido apoio algum.
Blafk morreu em 1872, mas nenhum sucessor chegou a elabora! ou mesmo corroborar suas descobertas. Todavia, ele não deixou de exercer influências.
Seu maior comentário sobre as "grandes linhas geométricas" foi feito em Hereford em 1870 durante uma viagem de campo da Associação Arqueológica Britânica. O encontro em que Black fez sua exposição foi presidido por uma personalidade local, o Dr. BulI, do Clube dos Naturalistas de Woollhope. Nos anos que se seguiram à morte de Black, Bull mencionou a sua obra em muitas ocasiões. A um desses encontros estava presente um moleiro e pioneiro foto­gráfico interessado em antigüidades - Alfred Watkins.
Cinqüenta anos após Black ter falado em Hereford, Watkins anunciou que fizera uma descoberta momentosa - alinhamentos de sítios antigos, aos quais deu o nome de "leys". Watkins, como Black e outros antes dele, descobriram que as terraplenagens anti­gas, os marcos fronteiriços, as igrejas e outras espécies de monumen­tos antigos estavam arranjados em linhas retas. Com seus livros Early British Trackways, The Old Straight Track e Archaic Tracks Around Cambridge, Watkins tornou-se o expoente mais conhecido dos sítios alinhados, o pai dos "caçadores de ley", como são conhecidos os seus seguidores. Diferentemente de Black, que ensinava que as suas "grandes linhas geométricas" eram os remanescentes de uma ins­peção antiga, Watkins considerava que os seus alinhamentos eram os resíduos de uma antiga rede de veredas.
Watkins apenas arranhou a superfície dos alinhamentos orien­tados e nem chegou a tocar o relacionamento dos centros radiais com a geometria. Isto parece estranho, pois Watkins certamente ouvira falar de Black e deve ter conhecido a obra de MacLellan Mann, que mencionara "pedras (...) num relacionamento geomé­trico exato". De qualquer forma, Watkins dedicou o resto de sua vida a disseminar as suas idéias sobre os alinhamentos. Embora tenha morrido em 1935, foi só nos últimos quinze anos que sua obra tornou-se conhecida e estudos baseados nela, especialmente os de Paul Devereux e Ian Thomson, verificaràm muitas das suas des­cobertas.
Watkins e a sua escola ignoravam em grande medida a obra de Lockyer, que exercera mais impacto na Alemanha do que em sua nativa Grã-Bretanha. Pouco tempo após a publicação de seu livro Stonehenge and Other British Stone Monuments Astronomically Considered (1909), um pesquisador alemão chamado Albrecht publicou uma discussão sobre o significado astronômico de Stonehenge no periódico Das Weltall (O Universo). A sua fonte inicial foi Lockyer. Pouco tempo depois, Albrecht foi morto na Primeira Guerra Mundial, mas, em 1920, o Padre Leugering leu seu livro e começou a procurar sistemas similares na Vestfália, onde nascera.
A derrotada Alemanha dos anos 1920 era um terreno fértil para os sentimentos revolucionários e chovinistas e os estudiosos da "geografia sagrada", como se dizia então, encontraram seu refúgio. O colaborador de Leugering, Josef Heinsch, advogado e projetista regional, descobriu alinhamentos do tipo dos de Stonehenge por toda a Alemanha. Em suas pesquisas, estudou a geografia sagrada e seu aspecto microcósmico, a geometria sagrada, que demonstrou serem dois aspectos da mesma disciplina geomântica.
O paladino principal da cultura germânica antiga foi Wilhelm Teudt, que, mais que todos os outros, devia tornar-se a figura de proa da ciência da geometria da paisagem. Em seu grande livro Germanische Heiligtümer (Santuários alemães antigos), publicado em 1929, anunciou a sua descoberta de alinhamentos aos quais denomi­nou heilige linien (linhas sagradas). Estas, segundo ele, baseavam­-se em fenômenos astronômicos. Na Teutoburger Wald, floresta que é o coração místico da Alemanha, sítio de muitas façanhas legen­dárias e heróicas, Teudt estudou as orientações das terraplenagens hexagonais irregulares de Haus Gierke, em Oesterholz. Essas terraplenagens estavam situadas ao redor de uma cabana de caça do século XVII, mas Teudt pretendja que as terraplenagens fossem os resíduos de um antigo observatório astronômico. As orientações das terraplenagens foram testadas por astrônomos profissionais, que descobriram que elas' foram alinhadas em suas posições, segundo muitas características astronômicas, em 1800 a.C. Heinsch tomou a liberdade de discordar, afirmando que as formas das terraplena­gens, embora antigas, estavam determinadas pela geometria sagrada.
As heilige linien de Teudt, que ligavam sítios significativos, embora fossem primordialmente astronômicas, eram similares em conceito às linhas geométricas de Black e às leys de Watkins. A partir de uma terraplenagem qualquer mais antiga, Teudt descobriu que deveria existir pelo menos uma marca de orientação na forma de uma "torre de relógio" situada ao longo do eixo norte-sul ou leste-oeste. As linhas ligavam sítios sagrados em relações geomé­tricas significativas, estando elas próprias ligadas a fenômenos as­tronômicos.
No final dos anos 1930, a obra de Teudt e de seus colegas foi retomada por alguns nazistas e a ela foi propiciado um apoio oficial que possibilitou que os pesquisadores produzissem um amplo conjunto de material sobre a geometria da paisagem. Josef Heinsch descobriu um vasto sistema interligado de alinhamentos e de figuras geométricas com distâncias e ângulos significativos que cobriam seções amplas do vale do Reno. Como os pesquisadores geomânticos anteriores, descobriu que a geometria da paisagem era freqüente­mente uma versão ampliada da geometria de sítios individuais, esta­belecendo um vínculo físico entre o microcosmo e o macrocosmo. Heinsch viu a sua descoberta como "um templo sagrado indestru­tível da natureza", que era o continuum da geometria sagrada em cír­culos e templos de pedras sem o esboço da paisagem.


Com a destruição da Alemanha nazista, todas as pesquisas geomânticas alemãs cessaram. A obra de Teudt e dos seus seguidores foi esquecida, até que os pesquisadores geomânticos ingleses a re­descobriram nos anos 1970. Muito da obra de Heinsch e de seus colegas tem saído agora em tradução inglesa e se transformou nos dados mais detalhados e mais convincentes coletados até agora.
Uma nova geração de pesquisadores está agora estudando a geometria da paisagem. Em seu livro City of Revelation, John MichelI revelou a existência de uma grande figura geométrica na Grã-Bretanha meridional. Os três antigos "coros perpétuos" celtas de Llantwit Major, Glastonbury Abbey e Stonehenge, segundo esse pesquisador, formam três vértices de um decágono regular de proporções majestosas. Existe um quarto vértice em Goring-on-Thames, onde havia antes um grande templo pagão na junção de muitas veredas importantes. O centro desse vasto decágono está na aldeia de Whiteleaved Oak, na qual se reuniam os antigos municípios de Hereford, Gloucester e Worcester. Esse decágono relaciona-se em ângulos e em distância a outros centros geomânticos da Grã-Breta­nha, sobre os quais muito se tem escrito ultimamente.
Os pesquisadores, de Black a Michell, encontraram os padrões antigos fixados ,indelevelmente na paisagem. As linhas que zigue­zagueiam pelo país têm obviamente a mesma antigüidade dos círculos de pedra, mas as igrejas cristãs mais modernas e as granjas podem ser invariavelmente enquadradas no mesmo modelo. Todas essas descobertas - tanto na escala das gravações em pedra e nos círculos feitos com esse material quanto através de toda a extensão da paisagem - apontam para a existência de uma civilização mais antiga, agora completamente desaparecida, cuja tecnologia espiritual da geometria não foi superada. Sua importância pode ser avaliada pela sobrevivência de seu conhecimento nas escolas de mistério da Idade Média.
Podemos, assim, traçar uma linha progressiva em que as pri­mitivas gravações em rocha de antigüidade inimaginável levam, com a astronomia, à construção de observatórios de pedra complexos e sofisticados que também estavam ligados a uma matriz geométrica mais ampla. Por imposição da religião cristã, esses sítios foram freqüentemente apropriados pelas igrejas. Todavia, as orientações e as posições foram preservadas e a geometria estava diretamente relacionada à estrutura antiga. O Professor Lyle Borst demonstrou em seu livro Megalithic Software que os padrões geométricos que subjazem às capelas orientais das catedrais de Wells, Lincoln, Can­terbury, Gloucester, Winchester e de muitos outros lugares derivaram da geometria megalítica exposta por Thom e, portanto, indicam a presença naqueles locais de círculos de pedras. Nos casos das ca­tedrais góticas e românicas, os geômetras fizeram uma síntese da geometria megalítica antiga com o ad triangulum e o ad quadratum maçônicos. A geometria dos céus, traduzida na pedra, foi nova­mente transmutada para o serviço de outros deuses, mas permanece até hoje reconhecível para aqueles que sabem o que devem buscar.

4. A Geometria Sagrada Egípcia Antiga

Geometria significa literalmente "medição da terra" e seu desenvolvimento no Egito antigo deveu-se precisamente a esse objetivo. Numa data muito recuada no tempo, possivelmente há cinco ou seis mil anos, os egípcios desenvolveram um esquema empírico de agri­mensura do solo. O esquema básico nasceu da necessidade de se evitar que o transbordamento anual do rio Nilo destruísse todas as fronteiras. Com a criação do governo centralizado, e a fim de assegurar uma taxação eqüitativa e evitar disputas, as fronteiras tinham de ser restabelecidas depois de cada inundação. Necessariamente, o método de agrimensura tinha de ser praticável e simples. Não exigia mais que dois homens e uma corda cheia de nós, além do conhecimento do chamado triângulo "pitagórico", séculos antes que Pitágoras caminhasse por este mundo.
O traçado das áreas requeria um método seguro para a produ­ção do ângulo reto. . Este era conseguido por intermédio da divisão de uma corda em treze divisões iguais. Quatro unidades formavam um lado de um triângulo, três o outro e mais cinco constituíam a hipotenusa oposta ao ângulo reto. Esse método simples persistiu até os nossos dias e foi utilizado quando se deu início à construção de túmulos e templos. Foi a origem da histórica "cordagem do templo" e, a partir dessa técnica, era relativamente simples a tarefa de esboçar retângulos e outras figuras geométricas mais complexas.
Enquanto se desenvolvia, toda a antiga cultura egípcia mes­clou-se tão completamente à religião canônica, que quase todos os atos eram formalizados num ato de adoração. Os templos e a arte dos túmulos são os melhores exemplos dessa vida sagrada ri­gidamente organizada. Cerimônias mágicas complexas resultaram de importantes eventos de estado em que o monarca dirigente representava o papel de personificar uma divindade. No planejamento dos templos, a formação básica da geometria subjacente era execu­tada numa complexa cerimônia simbólica.
Em The Dawn of Astronomy, Sir Norman Lockyer observou que a "cordagem do templo", que o esboçava por meio de uma corda, era acompanhada de um cerimonial comparável ao da mo­derna deposição da pedra fundamental. Ele cita descrições do processo tomadas das inscrições murais de Edfu, Denderah e Kar­nak. "Ascendeu o rei", diz uma dessas inscrições, "vestido com seu colar e sua coroa emplumada; e o mundo todo o seguiu, e a majestade de Amenemhat. O ker-heb (Sumo Sacerdote) leu o texto sagrado durante o estiramento da corda de medição e da deposição da pedra fundamental no pedaço de chão escolhido para esse templo. Retirou-se então sua majestade Amenemhat e o rei Usertesen a inscreveu no solo diante do povo".
A corda tinha uma função dupla: fixar a orientação do templo por observação direta de um objeto celestial e também, a partir daí, esboçar por meio da geometria o padrão sagrado do próprio templo. Outra inscrição diz: "O Deus vivo, o filho magnífico de Asti, alimentado peja sublime deusa no templo, o soberano do país, estira a corda com alegria, com seu olhar voltado para o ak da constelação da Mão do Touro, estabelece a morada-templo da senhora em Denderah, como já ocorreu antes". Esta é uma refe­rência aos dois templos da Deusa em Denderah, um consagrado a Ísis e o outro a Hathor.
Após fixarem a orientação segundo a constelação da Mão do Touro (agora conhecida como do Arado ou Ursa Maior), os cor­doadores estabeleciam uma linha em ângulo reto em relação a ela por meio da criação de um triângulo 3:4:5 e, a partir dele, esbo­çavam todo o templo.
Ao longo de toda a história registrada, a forma retangular re­presentou o corpo do homem e, por correspondência microcósmica/ macrocósmica, os céus. Sua forma complementar, o padrão geométrico central ou radjal, igual em todas as direções e emblema do mundo material, foi admiravelmente representado no Egito pelas pirâmides.
A construção das pirâmides foi levada a efeito num período relativamente curto. Embora sejam conhecidas cerca de sessenta pirâmides, as maiores e mais famosas do grupo de três situadas em Giza, perto do Cairo, têm sido, mais do que quaisquer outras, objeto de escrutínio e de especulação. Testemunhos de autores antigos, tais como o do grego Heródoto, que viveu no século V a.C., con­firmam que a função primária das pirâmides era servir de sepulcro.




Os reis egípcios, que reuniam em suas pessoas as funções de sacerdote, rei e deus, esforçaram-se durante todas as suas vidas terrenas para se munirem de túmulos custosos que assegurassem a sua so­brevivência no pós-vida.
Heródoto menciona brevemente o extenso período de constru­ção da Grande Pirâmide e afirma que ela era a tumba do rei Quéops. De acordo com O historiador, foi erigida sob as ordens do rei du­rante a sua vida de vaidade despótica e com o intuito de perpetuar a sua memória para sempre.
Quatro séculos após Heródoto, o grande historiador e geógrafo Diodoro Sículo visitou as pirâmides e nos deixou o seguinte relato: "A maior delas", escreve Diodoro. "é quadrangular, cada lado mede setecentos pés de extensão em sua base e mais de seiscentos de altura; contrai-se gradualmente no topo, onde cada lado tem seis côvados; está construída inteiramente em pedra sólida, de difícil artesania, mas duração externa; pois nos mil anos que se diz terem transcorrido desde a sua construção, as pedras, que alguns dizem ser mais de três mil e quatrocentas, nunca foram movidas de suas posições originais e o todo permanece indene".
O vasto volume e a impressionante geometria das pirâmides fizeram que muitos cronistas e comentadores antigos a elas se refe­rissem em suas obras. O geógrafo grego Estrabão (c. 63-25 a.C.) visitou-as e o soldado-cientista romano Plínio, além de escrever so­bre as pirâmides, mencionou outros autores que haviam escrito sobre elas; Euheferus, Aristágoras, Duris de Sarnos, Antístenes (o filósofo negativista), Demétrio, Demóteles e Apião. Todas as suas obras sobre as pirâmides estão perdidas, o que nos faz lembrar quão fragmentárias são as fontes escritas da história de que dispomos no presente.
Nosso interesse, contudo, está nos princípios da geometria sagrada subjacente à estrutura desta e de outras pirâmides. A Grande Pirâmide pode ser vista como o ápice de uma tradição que começou com a Pirâmide Escada do rei Zoser em Saqqara (c. 2.750 a.C.). Muitas outras pirâmides são anteriores à Grande Pirâmide e seus desenhos apresentam um padrão evolutivo que culminou na própria Grande Pirâmide. Depois, a tradição declinou e uma série de pirâmides abastardadas foi construída, muitas das quais se de­sintegraram devido a um acabamento inferior.
A primeira pirâmide verdadeira, o túmulo do rei Zoser em Saqqara, foi desenhada por Imhotep, um homem de gênio tão ex­cepcional, que, após a sua morte, foi elevado à condição do deus que fundamentou a medicina e a arquitetura. A Pirâmide Escada tinha uma planta baixa quadrada e, como os zigurates babilônicos, era mais uma "montanha sagrada" em forma de escada do que uma pirâmide de lados nivelados. Estava contida num vasto san­tuário que tinha a forma de um quadrado duplo cercado por uma parede de 30 pés. O santuário, um empreendimento grandioso em si mesmo, tinha 1.788 pés de comprimento - um terço de milha - e estava orientado no eixo norte-sul. A forma desse cercado forneceu o padrão dos lugares sagrados posteriores. Foi usada, inter alia, séculos depois, no Tabernáculo e no Templo dos Judeus, e também como o padrão subjacente da Capela Real de Whitehall, em Londres.
A Pirâmide Escada representa uma aplicação repentina de mé­ todos que parecem ter sido desconhecidos anteriormente. A tec­nologia do corte da pedra e do transporte era conhecida, mas nunca fora tentado um empreendimento dessa grandeza. No pátio da Pi­râmide Escada havia uma estátua em cujo plinto estava o nome de Imhotep com a citação "Chanceler do Rei do Baixo Egito, Primeiro após o Rei do Alto Egito, Administrador do Grande Palácio, fidalgo hereditário, Sumo Sacerdote de Heliópolis, Construtor, Escultor e Fabricante-em-chefe de Vasos". Lista tão impressionante de po­sições oficais realça o excepcional talento desse homem que, acima de todos os outros, encabeça a Tradição Ocidental da geometria sagrada.
Imhotep era filho de Ka-nefer, Diretor de Obras do Alto e do Baixo Egito, não um homem de sangue real. Todavia, a lista de títulos de sua efígiee os atributos que lhe foram concedidos após sua elevação ao panteão demonstram a unidade essencial de magia, religião e tecnologia egípcias antigas. A descoberta da tumba dessa figura seminal foi durante muito tempo um sonho acalentado pelos egiptólogos. Acredita-se que esteja em algum lugar nos arredores de Saqqara, mas até hoje permanece inviolado o local de repouso do originador da arquitetura no Ocidente.
Após a pirâmide de Zoser, uma outra foi iniciada em Saqqara pelo rei Sekhemket. Por alguma razão desconhecida, foi abando­nada a uma altura de apenas vinte pés; uma terceira pirâmide de degraus, em Zawiyet el Aryan, que se acredita ter sido ordenada pelo rei Khaba, também foi abandonada durante a construção. Depois dessas pirâmides de degraus, foram erigidas pirâmides verda­deiras revestidas de lajotas polidas feitas de calcário de Tura.
A primeira das pirâmides verdadeiras, a do rei Sneferu, em Meidum, foi um desastre. No seu livro The Riddle of the pyramids, Kurt Mendelssohn mostrou, a partir da configuração do cascalho que circunda o centro dessa pirâmide em ruínas, que ela desmoro­nou durante a construção. O acabamento imperfeito e a natureza' inovadora do projeto causaram um colapso repentino. Esse desas­tre, num período em que raramente se viam no mundo edifícios dessas dimensões, deve ter produzido um efeito profundo sobre o povo da época e pode ser cultuado em forma deturpada no mito da Torre de BabeI. Como a pirâmide de Zoser, o modelo de Meidum foi desenhado como uma pirâmide de degraus, mas foi preenchido com blocos de vedação e de revestimento. Os poucos blocos de revestimento remanescentes, retirados de uma caótica pilha de cascalho que cerca essa pirâmide, mostram que o ângulo de elevação era 52°, Um ângulo de grande importância na geometria sagrada.
Quando a pirâmide de Meidum foi surpreendida pelo desastre, uma outra pirâmide, em Dahshur, ainda estava em construção. Esta é única dentre todas as pirâmides que sobreviveram. A parte in­ferior do revestimento eleva-se num ângulo de 54º; depois, num ponto situado a meio caminho do topo, muda abruptamente para 43°30'. É provável que o arquiteto dessa pirâmide tivesse alterado o ângulo a fim de que o desastre de Meidum não se repetisse nessa construção.
Todavia, é óbvio, em comparação com todas as outras pirâ­mides, que a "Pirâmide Encurvada", como ela é conhecida, representa uma aberração em relação a uma norma ideal. As pirâmides revestidas representam o espetáculo celestial dos raios do sol rompendo por entre as nuvens após uma tempestade - uma manifes­tação do poder divino de Ra. A mudança total das pirâmides de degraus inspiradas em Imhotep para a forma pura parece ter ocor­rido na mesma época em que os sacerdotes de Heliópolis passaram a ocupar uma posição de poder no Egito. Curiosamente, a sua ascendência introduziu uma nova interpretação da geometria sagra­da: a pirâmide verdadeira, o obelisco e o ben-ben, o pilar cônico sagrado do Templo de Ra, em Heliópolis.
Após o fiasco da Pirâmide Encurvada, a próxima pirâmide, situada a uma milha ao norte, foi construída com o ângulo inferior de 43°30', o ângulo da metade superior da sua antecessora. To­davia, nem tudo estava perdido. As lições dessas três falhas foram analisadas e a construção da maior estrutura jamais erigida pelo homem foi iniciada: a incomparável Grande Pirâmide.
A Grande Pirâmide, construí da aparentemente para alojar os restos mortais do rei Khufu (mais conhecido por Quéops, seu nome grego), foi edificada com uma planta baixa quase perfeita de 775 pés e um ângulo de ascensão de 51°52'. Seu volume é um estonteante acúmulo de 6 1/2 milhões de toneladas de calcário. O ângulo de ascensão dá à pirâmide uma propriedade geométrica única, que re­presenta a quadratura mística do círculo: sua altura está para a mesma razão da sua circunferência, assim como o raio para a circunferência de um círculo. Essa razão é 1/2 pi . pi = 3,1416... e, nessa pirâmide, esse número transcendental está representado com uma margem de erro de apenas 0,1%.
O ângulo de 51°52' tem a propriedade de ser o ângulo pro­duzido por um gradiente de 4:1. O ângulo utilizado em Dahshur, 43°30', é preduzido por um gradiente de 3:1. Assim, a simples utilização de números inteiros, que é a chave da geometria sagrada, ao longo de toda a história, existe também no contexto egípcio. "A existência das pirâmides", escreveu James Stirling em The Canon, "(...) parece ser uma confirmação notável das afirmações dos es­critores primitivos - de que a arquitetura dependeu originalmente da geometria - e vemos no Egito a primeira aplicação dessa ciên­cia do construir. (...) Nas mãos dos arquitetos geométricos, a pirâmide - por seu volume, superfície, linhas e ângulos - poderia fornecer os meios de se registrar medidas e números. Por objetivos práticos, também, a pirâmide é a forma mais adequada para uma estrutura permanente"'.
Outra característica geométrica das pirâmides que tem sido muito comentada diz respeito às suas faces. Tem sido muito dis­cutida a teoria de que as pirâmides foram concebidas como repre­sentações do hemisfério setentrional em projeção quadrada. Cada face plana da pirâmide deve representar um quadrante curvo desse hemisfério, segundo essa teoria. A pirâmide cumpre essa conside­ração geométrica como nenhuma outra figura: para se projetar um quadrante esférico num triângulo plano, a base do quadrante deve ser igual à base do triângulo e deve ter a mesma altura. A Grande Pirâmide cumpre essas determinações, pois que o ângulo de incli­ nação dá a relação pi entre a altura e a base.
As complexidades da geometria inerente à Grande Pirâmide têm sido amplamente desemaranhadas numa pletora de cálculos e de teorias desde o último século. Heródoto soube pelos sacerdotes do Templo que a Grande Pirâmide foi construída de maneira que a área de cada face fosse igual ao quadrado da sua altura. Essa relação parece incorporar a Seção Dourada, que, de acordo com o geômetra moderno Schwaller de Lubicz, não foi vista em termos numéricos mas como emblema da função criativa ou geradora, fun­damento de uma série infinita.
No interior da Grande Pirâmide há uma enigmática série de passagens cuja intenção ainda não pôde ser determinada. Ela compreende três câmaras: a Câmara do Rei, que contém apenas um sarcófago vazio; a Câmara da Rainha, que é menor e também está vazia; e uma câmara inacabada escavada na rocha viva ao nível do solo. Além dessas três câmaras, há uma passagem impressionante co­nhecida como Grande Galeria, alinhada com um revestimento de gra­nito cuidadosamente executado e dotada de um teto finamente mi­ sulado. Todavia, nunca se descobriu na Grande Pirâmide nada que fosse digno de menção - característica que forneceu aos piramidó­logos farta munição para as suas teorias sobre armazéns e obser­vatórios.
Hubert Paulsen, arquiteto dinamarquês, desorientado pela faIta de conteúdo, pretendeu que exista uma outra câmara na Grande Pirâmide que ainda não foi descoberta. Recorrendo à geometria, ele calculou que a verdadeira câmara sepulcral, tão abarrotada de riquezas que poderia ofuscar os tesouros de Tutankhamun - um monarca pobre em comparação a Khufu -, deveria estar próxima do centro da pirâmide e abaixo do nível do solo. A Câmara do Rei - que se poderia imaginar destinada a conter os requisitos necessários à vida pós-morte do Faraó, além do fato de estar a 130 pés acima do nível do solo - não está exatamente na direção do ápice da pirâmide. A câmara de Paulsen, infelizmente, não foi localizada, e experiências levadas a efeito na Pirâmide de Khafre (Quefrem) também resultaram em fracasso.
Comparada à Grande Pirâmide, cujas câmaras e passagens fo­ram reveladas pela queda acidental de um bloco do teto na pas­sagem da entrada, a Pirâmide de Khafre aparentemente não possui passagens. Há uma câmara pequena, na rocha situada abaixo do vasto volume da estrutura. Ela sempre pareceu anômala aos olhos dos egiptólogos, e uma tentativa de obter um "raio-X" da pirâmide foi feita em 1970 pelo Professor Luis Alvarez, da Universidade da Califórnia. Alvarez tentou registrar a passagem pela pirâmide de raios cósmicos, que chegam à Terra vindos do espaço. Usando um equipamento de detecção extremamente sofisticado, fez obser­vações que abrangeram um período de muitos dias. Na análise dos resultados, os raios apresentaram variações inexplicáveis que tornaram inconclusivo o experimento. A variabilidade dos resul­tados talvez fosse causada pela geometria da pirâmide, seu posicio­namento, sua relação com o campo magnético da Terra ou alguma combinação desses e de outros fatores. Seja qual for a causa, o experimento de Alvarez não conseguiu detectar quaisquer câmaras internas ou passagens.
Muitas asseverações extravagantes foram emitidas no sentido de se interpretar a complexa disposição das passagens e de outras características internas da pirâmide de Khufu, mas na verdade nenhuma delas merece mais atenção do que as outras. Dignas de nota são aquelas teorias de que o Segundo Advento de Cristo, o fim do mundo ou outro acontecimento momentoso estão pressagiados por vários degraus, várias junções de pedras, vergas de passagens e fissuras. Os livros sobre profecias da pirâmide apresentam a infeliz tendência de exigirem uma revisão drástica quando o apo­calipse profetizado não ocorrer no tempo previsto. Que o leitor julgue a validade da obra de Piazzi Smith, John Taylor, John Da­vidson, Edgar Stewart, Basil Steward e seus imitadores.
Embora as pirâmides sejam a manifestação mais augusta da geometria sagrada no Egito, suas artes canônicas geometricamente inspiradas impregnaram todos os artefatos sagrados. O título de "Fabricante-em-chefe de Vasos" dado a Imhotep demonstra que se exigia um grande geômetra para o desenho correto e a manufatura de utensílios sagrados. Produtos da arte egípcia de qualquer pe­ríodo são, com poucas exceções, reconhecidos instantaneamente como tal. O estilo foi praticado por mais de 3.000 anos, até mesmo du­rante o período helênico posterior à conquista do país por Alexandre o Grande. As medidas canônicas e o sistema proporcional, consi­derados como expressões de um ponto de vista mágico do mundo, inibiram qualquer inovação. O papel do artista era, então, bas­tante diferente do de sua contrapartida moderna. O conceito do artista como uma personalidade criadora individual é absolutamente moderno. Como outros artesãos, a maioria dos escultores e pin­tores fazia parte de um grupo que aderia rigidamente aos cânones artísticos ordenados previamente. Sua posição pode ser comparada à dos desenhistas modernos de circuitos impressos ou microproces­sadores, que estão aprisionados a uma estrutura tecnológica de fun­ção que depende apenas das leis da eletrônica.
A exemplo das suas contrapartidas tecnológicas modernas, os artesãos do Egito antigo eram trabalhadores de precisão, os praticantes primitivos da crença universal de que os atos de magia devem ser realizados segundo um ritual preciso e imutável. A geometria subjazia a essas formas rituais.
A base técnica da geometria egípcia era impecável. Na ver­dade, o sucesso posterior dos gregos antigos, com os quais hoje se associa prontamente a geometria, estava solidamente baseado no conhecimento e na técnica dos egípcios antigos. As práticas da geometria egípcia não estão perdidas, todavia, pois o grande despertar do interesse pelas antigüidades do Egito durante o último século levou à redescoberta dos seus fundamentos. Durante as escavações destruidoras da estrutura da Grande Pirâmide, o Coronel Howard Vyse descobriu em uma das câmaras "muitas marcas simi­lares às que foram encontradas em outras câmaras e também muitas linhas vermelhas que se cruzavam em ângulos retos, com triângulos eqüiláteros em preto, traçados ao lado da 'intersecção'. talvez com o objetjvo de se obter um ângulo reto". Essas linhas e essas cons­truções eram necessárias às artes maçônicas do corte da pedra, sua preparação e seu acabamento. Para qualquer método técnico de esboço, é necessário possuir uma base geométrica. O uso de linhas de intersecção para marcar o plano de fundo de um entalhe foi sistematizado numa grade quadrada. Essa grade era um auxílio não só para a composição geral e para o desenho da obra, mas também servia para assegurar que as figuras humanas fossem executadas segundo as proporções corretas prescritas pelo cânone.


As linhas mestras eram pintadas com um pincel ou feitas com um cordão molhado em tinta vermelha e os traços eram esboçados com um pincel feito de fibras vegetais ou um pincel de junco se­melhante aos usados pelos escribas. O escultor cinzelava ao redor dos esboços e a escultura era então concluída com uma cobertura de gesso. Finalmente, era pintada com cores canônicas. Retân­gulos de raiz eram utilizados para determinar as dimensões princi­pais das figuras numa estrutura originalmente quadrada. Assim, a simetria dinâmica impregnou-se canonicamente na escultura que re­produzia em suas dimensões todos os atributos sagrados da geo­metria. Isto se acrescentava ao seu conteúdo figurativo e simbó­lico. Esses retângulqs eram facilmente construídos por geometria simples a partir de uma grade quadrada que também possuía o significado simbólico do mundo, de que o homem era o Templo. A geometria fundamental da fundação do Templo era reproduzida microscopicamente em cada entalhe canônico, segundo as fórmulas antigas do corpo do Templo. característica que podemos encontrar ao longo de toda a história registrada da arquitetura.

Essa combinação de grade subjacente, de geometria sobreja­cente e de forma externa é um conceito trifacetado da arte sagrada sem o qual as formas múltiplas mal podem ser compreendidas. Esse conceito três-em-um, encapsulado na Trindade-de Ísis, Horus e Osíris, ocorre ao longo de toda a arte canônica do Egito para a frente. Numa arte sagrada pode predominar a forma geométrica. tal tomo nas obras célticas ou nos padrões de azulejos islâmicos. Trata-se de manifestação do segundo nível. Em geral, a manifes­tação visível da forma é suprimida. Essa geometria tem a carac­terística de incorporar em si mesma a metrologia sagrada do sistema qualquer que ela representa.
Uma característica da geometria sagrada que torna a ocorrer ao longo do tempo é a escolha de geometrias que são tão inclusivas quanto possível. Uma geometria que inclui o quadrado, o círculo. o vesica e o triângulo equilátero, bem como vários retângulos de raiz e a Seção Dourada, tem sido considerada como o microcosmo ideal. A tumba do rei Ramsés IV do Egito é um exemplo típico. Ramsés foi enterrado numa tumba cavada na rocha. não numa pirâmide, pois a construção da pirâmide foi abandonada. A tumba cavada na rocha continha um sarcófago triplo. O sarcófago inte­rior tinha a forma de um quadrado duplo, o mais santo dos reci­pientes sagrados. Ao redor dele, o sarcófago intermediário tinha as dimensões de um retângulo da Seção Dourada, ao passo que o sarcófago externo possuía dois retângulos da Seção Dourada iguais ao do sarcófago intermediário. A tumba foi dimensionada numa projeção da geometria desse sarcófago triplo. Essa geometria har­mônica, levada a um grau de perfeição altíssimo pelos gregos an­tigos, foi aplicada em toda a arte sagrada egípcia.



Os peitorais e outros amuletos mágicos encontrados em egípcios mumificados foram analisados geometricamente. Eles exibem essa geometria que congrega o quadrado duplo e a Seção Dourada, fato que demonstra a unidade da geometria sagrada egípcia desde o maior até o menor objeto sagrado.

5. A Geometria Sagrada Mesopotâmica e Hebraica

Embora o relato bíblico da destruição da Torre de Babei talvez seja uma lembrança popular deturpada do colapso que ocorreu du­rante a construção da Pirâmide de Meidum, a tradição da edificação de montanhas sagradas artificiais encimadas por templos tem raízes sem dúvida na Babilônia. Seja qual tenha sido a origem desse colapso lendário, havia com certeza na Babilônia um zigurate cujas dimensões e cuja geometria têm sido reconstruídas com o auxílio de evidências documentais e arqueológicas. Desenhadas como reproduções miniaturizadas do arranjo do universo, essas montanhas sa­gradas estavam orientadas para as quatro direções cardeais. O nome dado a elas, ziggurat, significava "pico dos deuses". Estima-se que os zigurates escavados nas cidades mesopotâmicas de Ur, Uruk e Babilônia mediam trezentos pés da base até o ápice. O zigurate de Khorsabad media 150 pés quadrados na hase e 135 pés de altura, desde o pavimento até a plataforma que o encimava.
A estrutura compreendia sete estágios, representando cada um deles os atributos de um dos planetas e pintado com uma das cores planetárias. O zigurate de Nabu, em Borsippa (Barsipki), era conhecido como a "Casa dos Sete Limites do Céu e da Terra" e repre­sentava a ligação cósmica que existe entre os planos terrestre e celes­tiaI. James Fergusson, em A History of Architecture in All Countries (1893), escreveu:

"Esse templo, segundo a decifração dos cilindros que foram encontrados em seus ângulos, era dedicado aos sete planetas ou esferas celestes e seus estágios foram adornados, em conseqüên­cia, com as cores de cada um deles. O mais baixo de todos, além de tudo ricamente apainelado, era preto, a cor de Satumo; o seguinte, laranja, a cor de Júpiter; o terceiro era vermelho, cor emblemática de Marte; o quarto, amarelo, pertencente ao Sol; o quinto e o sexto eram verde e azul, respectivamente, de­dicados a Vênus e a Mercúrio; e o último talvez fosse branco, a cor pertencente à Lua, cujo lugar no sistema caldaico era o mais elevado.”

A ligação cosmológica foi pesquisada pelo Professor Stecchini, que acredita que o zigurate de sete estágios era uma representação do hemisfério setentrional da Terra, representando o nível do solo o equador e o ápice, o pólo. Na geografia grega, a área situada entre o equador e o pólo era dividida em sete zonas, cada uma menor do que a anterior para compensar o grau de longitude cada vez menor à medida quc se aproxima do pólo. A alegação de Stecchini de que o zigurate representava o hemisfério é apoiada pelos tabletes cuneiformes que afirmam que cada nível do zigurate tinha uma área específica determinada por unidades padronizadas de medida de terra.
O tablete cuneiforme conhecido como Tablete Smith afirma especificamente que cada terraço do zigurate da Babilônia possuía sua própria medida simbólica. Essa diferenciação possibilitou que vários esquemas geométricos fossem incorporados ao edifício. O terceiro estágio era particularmente importante, porque foi construído na forma de um quadrado com lados de seis côvados - uma unidade fundamental da medida babilônica de terra. O ângulo de elevação em vários pontos produz razões geométricas importantes, tais como V5 -1, ângulos fundamentais na agrimensura da terra, também encontrados na Grande Pirâmide.
Hermon Gaylord Wood, um metrólogo bostoniano, analisou a escrita cuneiforme como parte de sua grande pesquisa sobre a me­trologia e o simbolismo antigos. Demonstrou que os caracteres dessa escrita derivaram da divisão duodecimal do círculo e que, de fato, essa divisão ainda é usada hoje no relógio e na bússola.
A influência da geometria egípcia e da magia caldaica foi grandemente sentida pelos israelitas. Ao longo de toda a Bíblia, descre­vem-se em detalhe objetos e edifícios sagrados com medições preci­sas que ali se diz terem sido dadas por Deus. A mais antiga dessas construções dimensionadas canonicamente é a mitológica Arca de Noé, descrita da seguinte maneira:

"Faze para ti uma arca de madeira alisada; farás nela uns pequenos repartimentos, e betumá-Ia-ás por dentro e por fora. E eis aqui como a hás de fazer; ela terá trezentos côvados de comprimento, cinquenta de largura e trinta de altura. Farás na arca uma janela, e o teto que a há de cobrir será de um côvado; porás também nela uma porta a um lado; e disporás um andar em baixo, um no meio e outro terceiro andar.”
Gênese 6: 14-16.

Na tradição cabalística, a Arca de Noé é dividida em três anda­res, com 11 seções cada um, o que perfaz o número sagrado 33. A Arca possui duas aberturas: a porta principal no andar mais baixo, por onde as vidas animais passam para o plano da existência física, e uma janela pequena de um côvado no alto da cabeça, por onde é solto o espírito, simbolizado pela pomba.
Muitos praticantes do conhecimento oculto comentaram esse vaso sagrado. Filo, o Judeu, afirma que a Arca de Noé foi construída segundo o padrão do corpo humano. Heinrich Cornelius Agrippa concorda. E escreve:

"Dado que o homem é a mais bela e a mais perfeita obra de Deus, e a Sua imagem, e também o menor dos mundos, ele, portanto, por uma composição mais perfeita, e uma harmonia doce, e uma dignidade mais sublime contém e conserva em si todos os números, todas as medidas, todos os pesos, todos os movimentos, todos os elementos, e todas as outras coisas que o constituem; e nele, de fato, está a habilidade suprema (...) além disso, o próprio Deus ensinou Noé a construir a Arca segundo a medida do corpo do homem e Ele fez toda a estru­tura do Mundo ser proporcional ao corpo do homem. Portanto, alguns que escreveram sobre o microcosmo, ou sobre o homem, afirmam que o corpo mede 6 pés, um pé 10 graus, cada grau 5 minutos; têm-se 60 graus, que fazem 300 minutos, aos quais são comparados muitos côvados geométricos com que Moisés descreve a Arca; pois, como o corpo de um homem tem 300 minutos de comprimento, 50 de largura e 30 de altura, assim também a Arca era longa de 300 côvados, larga de 50 e alta de 30.”

Em The Canon, William Stirling relaciona as medidas da Arca com o tamanho do planeta Terra e com os cânones da cronologia segundo a história sagrada hebraica: "Se essa explicação for correta", escreve Stirling, "devemos imaginar, pelas proporções da arca, a vasta figura de um homem, à imagem e à semelhança de Deus, cujo corpo contém a medida do caminho do sol na eclíptica, o circuito da Terra e as órbitas dos sete planetas".
Esses esquemas cosmológicos podem ser encontrados ao longo de toda a arquitetura antiga, especialmente no Egito e na Babilônia. A Arca, embora seja principalmente um barco em que um homem justo, sua família e seu gado escaparam a um dilúvio que desabou sobre toda a terra, é na verdade uma imagem cósmica do homem, o microcosmo que mais uma vez foi conformado ao padrão dado por Deus. Aqueles que se ajustam ao esquema cósmico sobrevivem, os que não se ajustam perecem.


Uma outra estrutura sagrada hebraica cujas dimensões, e por conseguinte a geometria, foram precisamente delineadas foi o Tabernáculo. O Tabernáculo era um santuário portátil utilizado pelo povo judeu durante as suas peregrinações pelo Sinai. Sendo basicamente um templo móvel modelado segundo protótipos egípcios, o Taber­náculo era colocado num pátio cuja geometria era a do quadrado duplo, com 100 côvados de comprimento por 50 de largura. Esse pálio era demarcado por uma cerca composta de estacas de 5 côvados de altura plantadas no chão a intervalos de 5 côvados. As estacas eram ligadas por cordões de linho duplo. Construía-se então toda a planta baixa do Tabernáculo de acordo com uma grade quadrada modular de 5 côvados - método de esboço usado no Egito, de onde os israelitas fugiram.
Dentro desse quaprado duplo, o Tabernáculo propriamente dito era um quadrado triplo de 30 côvados de comprimento e 10 de largura. Suzs paredes eram construídas de pranchas de madeira de 1 1/2 côvado de largura e de 10 côvados de altura, agrupadas por fortes barras horizontais de madeira. Toda a estrutura era coberta de peles costuradas em faixas de 30 côvados de comprimento e 4 de largura. O Tabernáculo era colocado no pátio, orientado para o oeste, mas sua entrada era orientada para o leste, de maneira que, segundo Josefo, "quando o sol se erguesse, poderia pousar os seus primeiros raios sobre ele".
Essa orientação, comum na arquitetura sagrada de todo o mun­do, assegura que a estrutura do santuário esteja integrada diretamente com os fenômenos cósmicos. Isto é de importância fundamental para as épocas astronomicameme definidas para a realização de rituais vitais. Como um microcosmo, era necessário que o templo ou Tabernáculo refletisse diretamente em suas dimensões, sua geometria e sua orientação as condições e a estrutura do macrocosmo de que ele era a imagem e um meio de dirigir o acesso a ela. De fato, Josefo afirma que “essa proporção das medidas do Tabernáculo era uma imitação do sistema do mundo".


O interior do Tabernáculo estava dividido em dois comparti­mentos, um esquema que foi copiado mais tarde no Templo cons­truído em Jerusalém sob as ordens do rei Salomão. O compartimento externo, chamado de Lugar Santo, era um quadrado duplo de 20 côvados por 10, ao passo que o compartimento interno, o Santo dos Santos, compreendia um quadrado simples. Como a altura do teto do Tabernáculo também fosse de 10 côvados, o Santo dos Santos era assim um cubo perfeito.
No interior do Santo dos Santos estava o objeto mais sagrado dos judeus, a Arca da Aliança. Como outros objetos judaicos sa­grados, suas medidas exatas foram registradas. A Arca media 2 1/2 côvados de comprimento, metade do módulo usado no esboço do Tabernáculo, e 1 1/2 côvado de largura e de altura. Stirling acreditava que essas medidas tivessem significação cosmológica:

"Ela media 2 1/2 côvados de comprimento, ou 3 3/4 pés, ou 45 polegadas; sua largura e sua altura mediam 1 1/2 côvado, ou 2 1/4 pés, ou 27 polegadas. Seu perímetro, era, então, o nú­mero místico de 144 polegadas. Se a Arca fosse uma polegada mais grossa, o que seria perfeitamente possível para uma caixa desse tamanho, seu conteúdo subiria para 24.860 polegadas cúbicas, ou o número de milhas da circunferência da Terra.”
Essa interpretação fascinante, naturalmente, depende da anti­güidade da polegada e da milha, um problema espinhoso tornado de difícil solução pelas reivindicações extravagantes que têm sido feitas na tentativa de uma interpretação dos mistérios da Grande Pirâmide.
Outro objeto geometricamente determinado que era guardado no Tabernáculo era a Mesa do Pão da Proposição, modelada segundo um protótipo egípcio. Essa mesa sagrada ficava do lado de fora do véu que dividia o Tabernáculo, e, por conseguinte, não se situava no Santo dos Santos. Suas dimensões eram 2 1/2 côvados por 1 1/2 côvado e 1 côvado, uma razão de 5:3:2.
O Altar dos Sacrifícios era o equivalente externo da Arca da Aliança. Ficava no centro do mais externo dos dois quadrados que formavam o Tabernáculo. A base desse altar era um quadrado de 5x5 côvados, o módulo modelo. Esse altar representava um dos dois pólos do centro dos dois quadrados - cada um no seu próprio cen­tro de polaridade -, sendo que a combinação dos dois no pátio do Tabernáculo era a unidade de opostos inerente ao Deus supremo. Esse dimensionamento e esse esboço exatos de uma área sagrada propiciam-nos um raro lampejo do que existe de mais canônico na geometria sagrada. Todo e qualquer objeto é definido precisa e exatamente em termos de tamanho e situação, pois alterar qualquer coisa redundaria num desastre.
A vida nacional dos judeus alcançou seu ponto culminante du­rante o reinado de Salomão. Em 1004 a.C., o ato de coroação desse rei foi a ereção de um templo de adoração de Jeová. Como outros artefatos hebraicos sagrados, o desenho do Templo foi revelado di­vinamente ao pai de Salomão, o rei Davi:

"E Davi deu a Salomão seu filho o desenho do pórtico, e o do Templo, e das suas oficinas, e das suas salas, e dos seus aposentos interiores, e da casa da propiciação. E o desenho de tudo que ele imaginara e das repartições da casa do Senhor.”
1 Crônicas 28.

As dimensões do Templo, bem como do Tabernáculo, antes dele, foram detalhadas exatamente:

"E este foi o plano que lançou Salomão para construir a casa de Deus, sessenta côvados de comprido pela primeira medida e de largura vinte côvados.”
2 Crônicas 3.

O Templo homologava com um quadrado triplo o tamanho do Tabernáculo e suas paredes eram revestidas de madeira recoberta de ouro. O interior compreendia um lugar sagrado retangular, na forma de um quadrado duplo, e um Santo dos Santos conformado em um quadrado simples. O interior possuía 20 côvados de altura, e o Santo dos Santos formava novamente um cubo.
No centro mesmo do Santo dos Santos ficava a Arca da Aliança, que ocupara anteriormente o ponto central do Santo dos Santos do Tabernáculo. Em cada extremidade da Arca havia um querubim dourado de asas abertas, de dez côvados de altura. Esses dez côvados parecem ter sido o módulo de que derivaram as dimensões do Tem­ plo e eram o dobro do tamanho do Tabernáculo portátil.
A entrada do Santo dos Santos era fechada por uma porta de duas folhas, medindo cada uma delas dois côvados de largura. A entrada para o Templo possuía 5 côvados de largura e se abria de um pórtico que compreendia dois quadrados de 10x10 côvados. Era esse pórtico que suportava os dois pilares que posteriormente assu­ miram grande significação no saber maçônico: Jachin e Boaz.
Cada pilar possuía 12 côvados de circunferência e era coroado por um capitel em forma de lírio com 5 côvados de altura. Esse capitel repousava sobre um castão de 3 côvados de altura que atra­ vessava 7 cadeias de romãs, 14 ao todo. O número místico 14 cor­responde aos 14 quadrados de 10 côvados que constituem a planta baixa do Templo; as 14 gerações tradicionais de São Mateus, de Abraão a Davi; e os 14 Passos Cristãos da Cruz. Novamente, o Tem­plo incorporava vários esquemas cosmológicos, condizendo com uma imagem do macrocosmo.
Esse primeiro Templo de Jerusalém, o Templo de Salomão, foi destruído em 585 a.C., quando os babilônios tomaram a cidade e expatriaram a maior parte da população como escravos. Quando o longo cativeiro dos judeus na Babilônia chegou ao fim, os cativos que retomavam encontraram o Templo demolido sobre o chão. O Livro de Esdras dá-nos o seguinte relato:

"No primeiro ano em que o rei Ciro reinou sobre o país da Babilônia, Ciro, o Rei, ordenou reerguer esta casa. E os vasos sagrados de ouro e prata, que Nabucodonosor tinha le­vado da casa de Jerusalém (...) Ciro, o Rei, os trouxe do templo da Babilônia e eles foram entregues a Zorobabel e a Sanabassarus, o governador (...) então o mesmo Sanabassarus deitou as fundações da Casa do Senhor em Jerusalém (...) no primeiro ano de Ciro, o rei Ciro ordenou que a casa do Senhor em Jerusalém fosse reconstruída, onde eles deviam sacrificar em fogo contínuo. Cuja altura deveria ter sessenta côva­dos, e a largura sessenta côvados, com três fileiras de pedras esculpidas, e uma fileira de madeira nova daquele país (... ).”

Assim, o segundo templo, construído sob ordens expressas do conquistador persa, era uma estrutura quadrada com lados de 60 côvados. Altura é um termo antigo às vezes usado para significar comprimento, mas é possível que o templo tivesse a forma de um zigurate. Fosse assim, ele devia apresentar quatro estágios ("fileiras" de pedra e madeira talhada). Seja qual for a forma assumida pelo templo, suas dimensões estavam baseadas no velho templo, pois seu comprimento era de 60 côvados, excluindo-se o pórtico de Boaz e Jachin.
Pouca coisa mais foi registrada a respeito desse templo, exceto que todos os objetos sagrados que foram levados à Babilônia e instalados no templo principal retomaram e foram novamente utilizados nos serviços judaicos. A forma do segundo templo, um quadrado, não era característica dos judeus e deve ter origem persa. De acordo com o Talmude, o primeiro templo foi construído por meios sobre­naturais e, segundo a Bíblia, por trabalhadores fenícios, sob a direção de Hiram Abiff. Se o segundo templo foi de execução persa, sua variação em desenho pode ser responsável pela rapidez de sua ereção - durante o primeiro ano da libertação. Todavia, como o primeiro templo, estava fadado a ser demolido por invasores.
No Primeiro Livro dos Macabeus está escrito. que "quando eles viram o santuário deserto e o altar profanado e as portas queimadas e os arbustos crescidos nos átrios como numa floresta (...) rasga­ram suas vestes e fizeram grande pranto e puseram cinzas sobre suas cabeças". Todavia, as técnicas e o conhecimento envolvidos na reconstrução do Templo haviam sido perdidos e, em vez de o reedificarem, Judas Macabeu e seus homens demoliram as ruínas. "Eles acharam melhor demoli-Io, temendo não viesse ele ser-Ihes um motivo de opróbrio, por causa de o terem contaminado os gentios, assim eles o demoliram. E puseram as suas pedras no monte do Templo num lugar propício, esperando. que surgisse um profeta que lhes mostrasse o que fazer com elas.”
Isto mostra que a canhecimento da geometria sagrada exigida para erigir um novo edifício sagrado faltava ao piedoso mas profano bando militar de Judas. Era necessário um profeta que fosse dotado do conhecimento esotérico apropriado, mas ele não existia. Um templo substitutivo não foi construído até a época de Herodes, que fez erigir uma réplica exata do santuário de Salomão. Apenas uma pa­rede do Templo de Herodes está de pé, até hoje, na forma do famoso "Muro das Lamentações"'. O templo em si mesmo foi demolido novamente, desta vez pelos romanos na sua guerra colonial contra os judeus no ano 70 d.C.

6. Grécia Antiga

"Com a harmonia, com a celestial harmonia
Teve início essa estrutura universal;
E, de harmonia em harmonia,
Percorreu todas as notas da pauta,
Culminando o diapasão no homem ao fina!.”
Dryden, A Song for Sr. Cecilia's Day.

Os gregos antigos foram notáveis por sua abordagem pioneira e experimental do mundo. Numerosos filósofos elabararam teorias que outros discutiram com argumentas ponderados e experimentos práticos. Nesse ambiente estonteante, uma descoberta importante que exerceu grande influência sabre a geometria sagrada foi feita por Pitágoras no século VI a.C. Ele descabriu que as cordas percutidas em um instrumento soavam em harmonia quando as suas extensões estavam relacionadas a uma outra por determinados números inteiros.
Pitágoras fizera a descoberta radicalmente importante de que os tons podem ser medidos em termos de espaço. Ele descobriu que as consonâncias musicais podem ser expressas em razões de números inteiros. Por exemplo, se duas cordas vibram sob as mesmas condições, tendo uma a metade da extensão da outra, a afinação da corda menor será um diapasan (uma oitava) acima da maior. Se as cor­das possuírem uma razão de extensão 2:3, a diferença de afinação. será um diapente (uma quinta) e, se a razão de extensão for 3:4, a diferença será um diatessaron (uma quarta). Essas consonâncias pitagóricas são, assim, expressas em termos da progressão simples 1:2:3:4, que contém, além do diapasan, da diatessaron e de dia­pente, a oitava-e-quinta, 1:2:3:, e duas oitavas, 1:2:4.
Quando este esquema foi redivulgado no século XVI da era cristã, ele constituiu a base dos sistemas harmônicos da arquitetura sagrada da Renascença. A descoberta de Pitágoras foi considerada em termos de uma revelação divina da harmonia universal. Todo o universo podia então ser explicado em termos matemáticos. A fim de conseguir mestria sobre esse universo, afirmavam os pitagóricos, o homem devia descobrir os números que estão ocultos em todas as coisas. A revitalização dessa doutrina vinte e dois séculos depois foi responsável pelo desenvolvimento explosivo da ciência que reformulou o mundo em sua imagem moderna.
Os pitagóricos afirmaram que os números eram unidades independentes que possuíam determinadas dimensões espaciais indivisí­veis e eternas. Todavia, a despeito dessa teoria, eles foram capazes de, na prática, perceber que as diagonais dos quadrados, por exem­plo, não são mensuráveis em unidades inteiras. Pitágoras chamava esses números de "incomensuráveis". Mais tarde, números como V3 foram chamados de "irracionais", isto é, que não podem ser expres­sos em medida. De qualquer maneira, a idéia pitagórica das unidades finitas foi rapidamente criticada por Zenão, que, por meio do seu famoso paradoxo, desacreditou a teoria.
Pitágoras afirmava que esses números e suas proporções eram fundamentais para a estrutura de todo o mundo. O cubo era a perfeição culminante, pois é impossível, em termos de geometria clássica, ir além da terceira dimensão de comprimento, de largura e de altura.




Levando adiante o saber pitagórico sobre o número, Platão (428-347 a.C.), em seu Timeu, declarou que a harmonia cósmica está contida em determinados números formados nos cubos e nos quadrados de proporção dupla e tripla que começam na unidade. Eles são criados por duas progressões geométricas - 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27. Tradicionalmente representados com a letra grega lambda, eles impregnam a tradição geométrica européia desde a Grécia até a era moderna. Para Platão, a harmonia do universo estava expressa em sete números (o próprio 7 é um número místico): 1, 2, 3, 4, 8, 9, 27 - figuras que abarcam os mistérios do macrocosmo e do microcosmo, números adequados mais que todos os outros para in­corporação à arquitetura sagrada.





Na sua prescrição para a fundação de uma nova cidade, Platão afirmou que todos os detalhes exigiam a atenção mais dedicada. Declarou que os templos deviam ser erigidos ao redor de um mercado e por toda a cidade em pontos elevados. A natureza geométrica do plano da cidade era dada por reconhecida. Seu desenho geomân­tico devia ser regulamentado por uma Comissão Urbana dotada de poderes para proibir quaisquer alterações não autorizadas. Acredita­va-se que esse desenho geomântico que governava a cidade devia ser essencial à felicidade dos habitantes. Platão acreditava que o povo jamais conheceria a felicidade se os desenhistas de suas cidades fos­sem artistas que não tomassem o divino como seu padrão.
Esse padrão divino, tal como apresentado na República de Platão, era um esquema cosmológico que representa o microcosmo. Até mesmo o número de habitantes da cidade era ideal - 5.040 moradores, que ocupavam o mesmo número de iates. Esse número é quase universalmente divisível, sendo derivado da multiplicação sucessiva dos números de 1 a 7, donde ser divisível por todos os números de 1 a 10, bem como por 12. Todo o território que rodeasse a acrópole devia ser dividido em 12 partes, mas a igualdade deveria ser assegurada pela condição engenhosa de que os alotamentos de terra ruim deviam ser maiores do que os alotamentos de terra boa - uma tarefa difícil, se não impossível. A República era um micro­cosmo alegórico em todo sentido. Todos os seus atributos geométricos e numerológicos refletem o ideal divino, cuja consumação, se con­seguida, uniria o homem ao universo - o que sempre foi o objetivo final dos mágicos e dos alquimistas.
O geômetra mais famoso de todos os tempos, Euclides, era, naturalmente, grego. Sua obra, conhecida como Elementos, tornou­-se o manual da geometria até este século. Nela; por meio de teoremas e provas, as relações básicas da geometria foram definidas de maneira racional. Sua geometria era puramente teórica e pode representar a primeira vez na história que a teoria foi estudada em si mesma e não como parte integrante de uma praxis. Em Euclides, a geometria prática está diretamente relacionada às razões do número inteiro que eliminam qualquer necessidade de medir ângulos. Assim, até a Renascença, quando número e medição angular se tornaram importantes para a artilharia, as razões do número inteiro eram invariavelmente empregadas na arquitetura sagrada.
No seu livro A History of Architecture in All Countries, James Fergusson escreve:

"O sistema da proporção definida que os gregos emprega­vam no desenho dos seus templos foi outra causa do efeito que eles produzem sobre as mentes incultas. Para eles não só a altura deveria' ser igual à largura, ou comprimento duas vezes a largura - mas toda e qualquer parte devia ser proporcional a todas as partes com que ela se relacionava, em alguma razão tal como 1 para 6, 2 para 7, 3 para 8, 4 para 9, ou 5 para 10, etc. A medida que o esquema avança, esses números tor­nam-se consideravelmente altos. Nesse caso, eles revertem para alguma razão simples, tal como 4 para 5, 5 para 6, 6 para 7, e assim por diante.”

Essa proporção não está tão evidente, em nenhum outro lugar, como no Partenon, em Atenas. Esse magnificente templo pagão, agora em ruínas, foi construído como substituto de um templo menor de Atenas que fora destruído pelos persas em 480 a.C. Por ter sido construído sobre as fundações de. um templo mais antigo, que por sua vez também substituíra uma Sala do Trono micênica, o Par­tenon foi projetado mais como medidas micênicas do que com o usual pé grego. As dimensões principais foram tão bem escolhidas que correspondiam a números redondos em pés tanto gregos quanto micênicos, uma tarefa não de todo difícil, já que as medidas estão relacionadas na razão 10:9. Essa relação simples é freqüentemente encontradiça em medidas relacionadas, tais como os pés galeses, ingleses e saxões.
A geometria do Partenon foi tão bem planejada, que incorpo­rava todas as medidas significativas. Suas dimensões foram meticulosamente registradas por Francis Cranmer Penrose, um arquiteto in­glês que mediu o templo com uma precisão que considera até mesmo um milésimo do pé inglês. Penrose determinou que o Partenon não foi construído com linhas retas, mas utilizou curvas matemáticas sutis na sua estrutura. Assim, o Partenon representa outra ordem de geometria, algo quase fora do comum. Penrose determinou que existem similaridades essenciais entre as estruturas geométricas do Partenon e da Grande Pirâmide. As elevações das fachadas do Par­tenon foram determinadas pela Seção Dourada e os lados foram baseados no fator phi. O Professor Stecchini calculou que os desvios mínimos encontrados nas bases tanto do Partenon quanto da Grande Pirâmide foram cometidos deliberadamente e não eram resultado de pequenos erros de cálculo. Na sua opinião, a relação entre (I) e phi na extremidade e no lado do Partenon é um paralelo daquela que existe entre a face norte da Pirâmide (I) e o lado oeste phi.
A largura das fachadas do Partenon era tal, que indicava um segundo de um grau no equador. Assim, as partes individuais da estrutura, todas comensuravelmente proporcionais em relação à geometria subjacente a todo o edifício, eram proporcionais às dimensões da própria Terra. A harmonia divina, assim engendrada, integra o edifício com o cosmos. Ele se torna parte integrante da harmonia global do mundo e é, dessa maneira, um receptáculo perfeito para adoração. A necessidade tríplice de um templo funcional - orien­tação, geometria e medida - estão presentes no Partenon e em qualquer outro edifício verdadeiramente sagrado plantado em qual­quer canto da Terra. Esse grau de integração não é conseguido por meio de nenhum outro método.
A geometria impregnou toda a esfera da vida grega. A conexão íntima entre a forma geométrica e a história sagrada pode ser vista no problema supostamente insolúvel da duplicação do cubo. Os délios, que, na época de Platão, estavam sendo vitimados por uma peste, consultaram o oráculo para cons,eguirem um meio de dela se libertarem. O oráculo ordenou-Ihes duplicar um dos seus altares cúbicos. Dirigiram-se então aos geômetras da Academia e lhes pediram resolvessem o problema como um assunto de urgência nacio­nal. Na verdade, trata-se de um problema insolúvel pelos métodos clássicos da geometria e, por conseguinte, está excluído da categoria da geometria sagrada. É um equivalente em termos geométricos do extrair a raiz cúbica de dois, que não pode ser expressa em termos de números inteiros nem em termos de raízes quadradas de números inteiros. O fato de esse problema ter sido proposto pelo oráculo indica a seriedade com que a geometria estava investida na Grécia. A observância correta da forma geométrica na arquitetura sagrada era um ato mágico que. poderia livrar um país de uma dificuldade.
A duplicação do cubo foi mencionada num drama teatral grego, agora perdido. O geógrafo Eratóstenes, que utilizou esse conhecimento geométrico para medir o tamanho da Terra, relata numa carta escrita ao rei Ptolomeu IIl do Egito que um dos poetas trági­cos antigos se refere ao problema. Na peça, ele apresenta o rei Minos sobre o palco erigindo uma tumba para seu filho Glauco, e então, percebendo que a estrutura era muito insignificante para um mauso­léu real, ordenou "duplicá-Ia mas preservar-lhe a forma cúbica".
Esses dois exemplos enfatizam a importância do volume na arquitetura sagrada egipto-grega. Como as dimensões internas do cofre colocado dentro da Grande Pirâmide, a capacidade das estruturas sagradas merecia consideração primária. Exemplos posteriores da Europa medieval e renascentista também mostram que a capacidade era o fator mais determinante. As dimensões internas eram sempre estipuladas no desenho das igrejas e das capelas, ao passo que geo­metria sagrada elevacional era aplicada às elevações exteriores. O "problema délio", como ficou conhecido, da duplicação do cubo foi reduzido por Hipócrates de Chios a uma questão de geometria plana, isto é, à descoberta de duas proporcionais entre duas linhas retas, a maior das quais deve ser o dobro da menor. Esse foi mais um dos problemas teóricos pelos quais Euclides e seus seguidores se toma­ram conhecidos. Ele levou à descoberta das seções cônicas.
Já neste período tão primitivo, esse interesse literalmente aca­dêmico pela geometria dividia o assunto em duas disciplinas distin­tas, a prática e a matemática. Ao passo que havia (e ainda há) uma grande coincidência entre as geometrias sagrada e matemática, as raízes do cisma podem ser encontradas nos esforços feitos pelos filósofos gregos na tentativa de resolver os problemas geométricos do oráculo.
A beleza da arte grega foi o resultado prático das meditações dos filósofos. Naqueles tempos, quando a reverência pagã antiga para com o mundo ainda não havia sido superada pela espoliação a todo custo que caracteriza a civilização industrial, todo objeto que passasse pelas mãos dos artesãos continha propriedades sagradas. O artesão, diferentemente da sua contrapartida moderna da linha de produção, estava consciente da natureza sagrada dos materiais com que trabalhava e da sua responsabilidade como fiduciário do mate­rial que manipulava.
Porque toda a Terra era sagrada, os materiais também eram sagrados e, assim, a modelagem era um ato de adoração. Era imperativo que o artesão trabalhasse com o melhor da sua habilidade e em concordância com os materiais de que dispunha; assim, a aplicação da geometria sagrada era absolutamente natural. Os vasos gregos requintadamente belos foram analisados por geômetras modernos tais como Caskey e Hambidge, que descobriram que eles foram desenhados de acordo com construções complexas mas harmo­niosas de geometria de Seção Dourada. Fazer vasos e utensílios sa­grados de acordo com a geometria sagrada asseguraria a sua função correta não só nos arredores do templo, cuja geometria eles ecoavam, mas também no contexto secular. É só nos tempos modernos que a geometria sagrada foi relegada, primeiramente à esfera estreita do desenho de edifícios sagrados, e depois completamente abolida em função de objetivos prático.

7. Vitrúvio

"A necessidade do arquiteto é criar aquele unís­sono de partes e detalhes que nas melhores edifica­ções de todos os tempos remontou miraculosamente os processos imaginativos a quantidades matemáticas e a contextos geométricos.”
Erich Mendelsohn (1887-1953)

Marcus Vitruvius Pollo, comumente conhecido como Vitruvius [Vitrúvio], foi um arquiteto e engenheiro romano que trabalhou no primeiro século antes da nossa era. Foi autor de um tratado teórico e técnico detalhado que sobrevive como a mais antiga e a mais influente de todas as obras sobre a arquitetura.
A posição de Vitrúvio como o arquiteto mais influente de todos os tempos é atestada pelo seguinte fato. Durante séculos, as ins­truções detalhadas forneci das nos Dez Livros de Arquitetura foram seguidas mais ou menos fielmente em toda a extensão de tempo coberta pelo Império Romano. Após a queda desse Império, as formas bárbaras de arquitetura foram introduzidas e as instruções canônicas de Vitrúvio foram largamente ignoradas ou deturpadas.
Após quase um milênio de obscuridade, a redescoberta de suas obras anunciou a renascença na arquitetura, quando seu livro tor­nou-se repentinamente a autoridade principal consultada pelos arqui­tetos. Seus preceitos foram a partir de então aceitos como sacros­santos. Na verdade, os maiores arquitetos da Renascença na Itália - Miguel Ângelo, Bramante, Vignola e Palladio - foram todos eles estudiosos ardorosos da obra de Vitrúvio e cada uma de todas as suas obras-primas deriva diretamente dos sistemas proporcionais enumerados por Vitrúvio.
Os Dez Livros escritos por Vitrúvio são um cômputo completo da arquitetura, desde a educação inicial do arquiteto, passando pelos princípios fundamentais da arte, da localização geomânticados templos e das cidades, das casas para moradia, dos materiais e das formas de arquitetura, até a pintura, a maquinaria e as artes milita­res. Segundo Vitrúvio, a arquitetura depende da ordem, do arranjo, dll curritmia, da simetria, da propriedade e da economia. A ordem proporciona a medida exata das partes de uma obra consideradas Isoladamente e da concordância simétrica das proporções de todo o edifício. O arranjo envolve a colocação das coisas em sua ordem própria, sendo as suas formas de expressão a planta baixa, a elevação e a perspectiva. Inclui a utilização sucessiva apropriada dos compassos e da régua, o artifício fundamental do geômetra.
A eurritmia consiste na beleza e na conveniência no ajusta­mento das partes. Vitrúvio afirma que quando se consegue a como­dulação perfeita (a ligação de todos os elementos arquitetônicos com o todo por meio de um sistema de proporção), consegue-se também a eurritmia. Isso nem sempre era possível por razões técni­cas, mas a simetria dinâmica, um conceito encontrado nos escritos de Platão, provou ser freqüentemente um substituto aceitável. Na simetria dinâmica, embora os elementos lineares não sejam comen­suráveis, as superfícies construídas sobre eles podem ser comensu­ráveis, encadeadas por meio de uma proporção racional.
A simetria é a concordância justa entre as partes da própria obra e a relação entre os diferentes elementos e todo o esquema geral de acordo com uma determinada parte escolhida como padrão. Assim, no corpo humano, Vitrúvio demonstra a harmonia simétrica que existe entre o antebraço, o pé, a palma, o dedo e outras partes menores. Compara essas partes às partes de um edifício, continuando a antiga tradição do edifício sagrado visto em termos do corpo de um homem e, assim, em termos do microcosmo.
Vitrúvio define a propriedade como aquela perfeição de estilo que surge quando uma obra é construída peremptoriamente segundo princípios canônicos. A propriedade emana da prescrição, dos métodos aceitos para a construção dos templos dos deuses. Vitrúvio deve ser agradecido pela preservação dessas formas prescritas: pelos edifícios em campo raso, abertos para o céu, em honra de Júpiter, do Raio, dos Céus, do Sol ou da Lua; para Minerva, Marte e Hércules, a Ordem Dórica; para Vênus, Prosérpina, Flora, para a Água da Fonte e para as Ninfas, a Ordem Coríntia; e para Juno, Diana, Baco e outros deuses, a Ordem Jônica. A propriedade, toda­via, também podia ser conseguida pela ereção de templos em ter­renos saudáveis onde existissem fontes convenientes. Os santuários deviam ser construídos nessas fontes e este era um dos princípios fundamentais para templo que sublinhavam o que agora é conhe­cido como geomancia. A propriedade também era conseguida nos edifícios pela orientação apropriada, de maneira que a luz pudesse ser utilizada para o benefício supremo de todos.



A economia, O último princípio de Vitrúvio, é auto-explicativa. Todas as suas máximas ecoam o funcionalismo realístico do mundo antigo, concedendo todas as condições antes de se decidir sobre a forma de um edifício enquanto sob o controle global da geometria sagrada. Assim. conseguia-se uma síntese de natural e artificial, ter­reno e celeste, um equilíbrio a que o movimento ecológico moderno está tentando chegar com muito esforço. Vitrúvio, embebido na harmonia geomântica antiga entre o homem e o mundo, viu o dese­nho do edifício em termos do corpo de um homem. Os desenhos bastante conhecidos que mostram o corpo de um homem superposto a uma geometria são conhecidos até hoje como o Homem Vitruviano. Todavia, nem todo arquiteto vitruviano trabalha com as proporções do corpo de um homem. Elas estão reservadas aos templos. A estrutura do teatro e da cidade, construções com funções materialmente diferentes, está relacionada à forma conceptual do mundo e é mais radial do que linear.
A construção do teatro - pela primeira vez dada por escrito por Vitrúvio, mas certamente de uma antigüidade maior - demons­tra a sua natureza como um microcosmo do mundo. Essa idéia foi retomada na Renascença e cultuada no "Todo o mundo é um pal­co (...)" de Shakespeare, e, na verdade, fisicamente, nesse teatro tão adequadamente chamado Globo. A estrutura do teatro pres­crita por Vitrúvio era a seguinte: "Tendo fixado o centro principal, desenhar uma linha de circunferência equivalente ao perímetro da base e nela inscrever quatro triângulos eqüiláteros, a distâncias iguais e tocando a fronteira do círculo, como fazem os astrólogos na fi­gura dos doze signos do zodíaco, quando eles estão procedendo aos cálculos da harmonia musical das estrelas". A partir desse esboço de ad triangulum, as várias partes essenciais do teatro eram pro­porcionais. Mesmo o cenário era baseado no triângulo, em "peças triangulares de maquinaria que giram, cada uma delas com três fa­ces decoradas (...) Há três espécies de cenas, uma chamada trá­gica, a segunda cômica e a terceira satírica (...)". Até mesmo os eventos representados nesse teatro estavam divididos em três.
Todavia, este não foi o único tipo de teatro descrito por Vi­trúvio. O teatro grego baseava-se mais em três quadrados do que em quatro triângulos, uma geometria duodécupla alterada que pro­piciava uma distribuição alternativa dos elementos que guardava a natureza diferente dos dramas ali representados.
O pronunciamento de Vitrúvio sobre a geometria grega talvez seja a mais expressiva das suas exposições sobre a função da geome­tria sagrada e sobre sua posição na corrente principal do pensamento hermético:

"As diversas partes que constituem um templo devem estar sujeitas às leis da simetria; os princípios dessa simetria devem ser familiares a todos os que professam a ciência da arquitetura. (...) A proporção é a comensuração das várias partes consti­tuintes com o todo e o fundamento da existência da simetria. Pois nenhum edifício pode possuir os atributos da composição em que a simetria e a proporção não sejam observadas; e aí nem existe a conformação perfeita das partes que se pode observar num ser humano bem formado (...) portanto, a estrutura hu­mana parece ter sido formada com tal propriedade, que os muitos membros são proporcionais ao todo.”

A obra de Vitrúvio sobre a arquitetura foi uma tentativa de com­pilar um compêndio completo do conhecimento aplicado. Com esse objetivo, ele expôs não só a geometria sagrada das partes dos edifícios e a sua relação com edifícios inteiros, mas também o planeja­mento de cidades. Após descrever os atributos para o sítio de uma cidade, enumera os pontos que a cidade ideal deve conter. Natural­mente, sua cidade baseava-se numa geometria rigorosa, mas, sendo um esquema ideal, nunca foi construída durante a duração do Impé­ rio Romano. Mil e quinhentos anos deveriam passar antes que essa cidade planejada fosse iniciada.



A Cidade Vitruviana, como é conhecida, foi planejada sobre uma forma octogonal. Esse desenho opõe-se ao modelo das colônias romanas então predominante, que era um retângulo quartado. A cidade octogonal dividia-se de acordo com os "ventos". Vitrúvio leva muito a sério o conceito dos oito ventos, embora possa tê-Io feito para ocul­tar uma doutrina mais esotérica da geometria. Tradicionalmente, as oito direções do compasso eram denominadas segundo um "vento". Esse sistema ainda estava em uso na Itália no século XVII da nossa era em instrumentos de agrimensura. Um circunferentor feito em Modena em 1686, que está agora no Museu da Ciência, em Londres, exibe um mostrador de bronze sobre o qual foram gravados os no­mes de 32 ventos, um desenvolvimento daqueles usados na época de Vitrúvio.
A fim de dividir o círculo para determinar as direções dos oito ventos, Vitrúvio utiliza um método clássico da geometria. Como o Manasara Shilpa Shastra hindu, o omphalos original de que derivou a geometria é marcado por um gnômon. Esse ponto central era mar­cado em Atenas pela Torre dos Ventos octogonal. Vitrúvio fornece instruções precisas:

"Por volta da quinta hora da manhã, tomar a extremidade da sombra projetada por esse gnômon e marcá-Ia com um ponto. Depois, abrindo-se o compasso para o ponto que marca a exten­são da sombra do gnômon, descrever um círculo a partir do cen­tro. À tarde, olhar a sombra do gnômon à medida que ela aumen­ta e, quando ela tocar a circunferência do círculo e a sombra for igual em extensão àquela da manhã, marcá-Ia com um ponto. A partir desses dois pontos descrever com seus compassos arcos interseccionantes e, através de sna intersecção e o centro, traçar uma linha em direção à circunferência do círculo; eis o diâmetro que deve separar os quartos do norte e do sul. Depois, utilizando-se a décima-sexta parte da circunferência do círculo como diâmetro, descrever um círculo (...) a partir dos quatro pontos assim descritos, traçar linhas que interseccionam a circun­ferência de um lado a outro. Assim, teremos uma oitava parte da circunferência para Auster e outra para Septentrio. O resto da circunferência é então dividido em três partes iguais em cada lado e temos então desenhada uma figura igualmente partilhada entre os oito ventos.”

A geometria aqui estava diretamente relacionada às condições astronômicas do dia escolhido para a fundação da cidade. Como o dia fora escolhido de acordo com aspectos astrológicos auspiciosos, o esboço estava por conseguinte diretamente relacionado àqueles as­pectos, reproduzindo a velha máxima do "acima, como abaixo". Co­mo a República de Platão, a Cidade Vitruviana era mais um ideal cósmico do que uma realidade concreta sobre a terra. Como em toda arquitetura mística anterior ao nosso século, o aspecto numinoso sim­bólico era considerado a forma verdadeira, ao passo que a manifestação material era vista como uma simples sombra da sua con­trapartida espiritual. A geometria sagrada possibilitava ao arquiteto a criação de um instrumento funcional em que poderiam ser utili­zados ao máximo muitos atributos da forma esotérica aos níveis psi­cológico e espiritual. Freqüentemente, as exigências da construção obrigavam o resultado final a sair fora desse ideal, mas ocasional­mente todos os fatores estavam presentes e surgia então uma obra­-prima. Tais obras-primas seriam os modelos da mística da Renas­cença mil e quinhentos anos depois.

8. Os Comacinos e a Geometria Sagrada Medieval

Through good gemetry,
Thys onest craft of good masonry
Was ordeynt and made in thys manère,
Y-cownterfetyd of thys clerkys y-fere;
At these lordys prayers they cownterfetyd gemetry,
And gaf hyt the name of masonry ­
Far the most oneste craft of alIe.
Ars Gemetrie (século XIV).

Quando o Império Romano Ocidental sucumbiu aos ataques violentos de ondas sucessivas de bárbaros migrantes, a ereção de obras arquitetônicas em larga escala foi interrompida. Não havia mais ne­nhuma estrutura político-econômica para planejar ou pagar grandes obras cívicas ou eclesiásticas e, por conseguinte; as habilidades bastante desenvolvidas que existiam antes foram-se reduzindo gra­dualmente. Embora o conhecimento vitruviano sobrevivesse intacto nos reinos de Constantinopla, ele foi totalmente extirpado do Oci­dente, que tomou uma direção diferente.
Com a influência bárbara, as formas clássicas puras de Roma transformaram-se gradualmente numa arquitetura radicalmente diferente - a medieval. O Colégio de Arquitetos de Roma, cuidadosamente controlado, fora dispersado e idéias e influências individuais foram assimiladas. Com a perda de uma autoridade central, grupos autônomos de homens com conhecimento arquitetônico reuniram-­se numa espécie de federação de pedreiros artesãos - os antecesso­res dos franco-maçons medievais que tiveram controle exclusivo so­bre a construção das catedrais posteriores. De acordo com a antiga tradição maçônica, membros refugiados do dispersado Colégio Ro­mano de Arquitetos fugiram para Comacina, uma ilha fortificada do lago de Como, na Itália, onde resistiram durante vinte anos às incursões dos lombardos que então estavam invadindo o país. Quan­do finalmente foram subjugados, os reis lombardos tomaram os ar­ quitetos a seu serviço para assessorarem a reconstrução. A partir desse centro, afirma a lenda, os maçons, chamados de comacinos por causa do seu refúgio fortificado, espalharam-se por toda a Europa ocidental e setentrional, construindo igrejas, castelos e obras cívicas para os governantes dos estados nacionais nascentes que se seguiram ao Império Romano.
Os comacinos estavam certamente a serviço de Rotharis, um rei lombardo, que a 22 de novembro de 643 fez publicar um edito relativo, entre outras coisas, aos comacinos. O título do Artigo 143 desse edito era Dos Mestres Comacinos e seus Colégios. O Artigo 144 dispõe: "Se uma pessoa qualquer empregar ou contratar um ou mais mestres comacinos para desenharem uma obra (...) e acon­tecer de um comacino ser morto, o proprietário da casa não será considerado culpado". Pode-se inferir daí que os comacinos constituíam um poderoso corpo contra o qual o rei achava que seus súditos deveriam ser protegidos. Joseph Fort Newton, em seu livro maçô­nico The Master Builders, fala de uma pedra gravada no ano 712 que, mostrava que a guilda dos comacinos estava organizada em três clas­ses: discipuli e magistri sob as ordens de um gastaldo, um Grão-­mestre.
Como qualquer outro grupo de técnicos dotados de habilidades apreendidas, os comacinos ocupavam uma posição de poder e de influência. Na Europa Setentrional, onde estavam estampados todos os sinais da prática arquitetônica romana, era solicitada a prática comacina. Como os magos, os adivinhos, os astrólogos e os geomantes que cercavam a corte, nenhum rei respeitado da Idade das Trevas podia ficar sem seu séquito de comacinos. Durante seu reinado, eles construíam seus palácios, suas capelas e suas igrejas; por ocasião de sua morte, impressionantes mausoléus como os de Teodorico em Ra­vena, na Itália, ou o de Etevaldo em Repton, na Inglaterra. Essas igrejas e esses mausoléus eram o repositório do conhecimento dos comacinos sobre a geometria sagrada.
O venerável Bede, em suas Lives ot the Abbots, conta-nos que, no ano 674, o rei Ecgfrith da Nortúmbria decidiu construir um mos­teiro para Benedito, o homem santo local. Para tanto, doou 8.400 acres do seu próprio estado em Wearmouth. "Após não mais de um ano da fundação do mosteiro, Benedito cruzou o mar e veio a Gaul e procurou, encontrou e levou de volta com ele os maçons que deveriam erigir para ele uma igreja no estilo romano, de que ele sempre gostara".
As igrejas de pedra da Nortúmbria e as obras-primas erigidas após a renascença instigadas pelo imperador Carlos Magno apresentam um desenvolvimento gradual em complexidade e sofisticação. Um ponto de referência capital neste processo é a Capela Palatina de Aachen (Aix-Ia-Chapelle). Uma igreja redonda, baseada no octograma, a capela apresenta um retorno das influências do Império Oriental, que naquela época ainda florescia ao redor de Constantino­pIa. Todavia, igrejas contemporâneas na Inglaterra apresentam uma base geométrica mais simples. A análise de muitas igrejas saxônicas de Essex demonstrou que retângulos de raiz 3, 4, 5, 6 e mesmo 7 eram gerados para as plantas baixas por meio de um método sim­ples de construção. As igrejas de Inworth, Strethall, Chickney, Hads­tock, Little Bardfield, Fobbing, Corringham e White Roding possuem razões comprimento: largura que se aproximam da raiz 3. A proporção geométrica, incomum em tempos posteriores, era o resultado do esboço dos fossos da fundação por meio de uma corda, justa­mente como a prática egípcia antiga.
A orientação da linha do centro era determinada pela observação direta do nascer-do-sol no dia do padroeiro. O maçom mestre demarcava a largura pré-estabelecida da igreja ao sul da linha do cen­tro. Um assistente caminhava então para a extremidade norte da mesma linha, arreando a corda. Depois, traçava-se um quadrado e, do quadrado, uma diagonal. A diagonal era esboçada como o comprimento, fazendo-se um retângulo de raiz 2. A diagonal desse re­tângulo era então tomada com a corda e dessa maneira se obtinha um retângulo de raiz 3. O retângulo da planta baixa da nave podia então ser completado, usando-se a corda para medir a igualdade das diagonais.
Esse método parece-nos ser peculiarmente saxão, pois as igre­jas normandas posteriores da área foram construídas geralmente com base no quadrado duplo ad quadratum. Os maçons de Carlos Mag­no utilizaram os métodos adotados posteriormente pelos normandos e esses métodos "bárbaros" de geometria sagrada foram relegados à arena da arquitetura secular vernacular. A arquitetura de CarIos Magno e as suas imitações foram uma revitalização consciente da corrente principal dos métodos romanos, utilizados na famosa igreja redonda de San Vitale em Ravena, na Itália. Essa estrutura micro­cósmica, cujo objetivo foi demonstrado aos cognoscenti por um la­drilho feito na forma de um labirinto, foi construída no século VI por maçons de Constantinopla que haviam absorvido a geometria asiática e alguns dos seus métodos de construção. Todavia, foi só muitos séculos depois que um influxo de idéias árabes foi combi­nado com uma consciência romana desenvolvida para criar as gran­des catedrais do período gótico.



A infusão de idéias emprestadas do mundo islâmico marcou um desenvolvimento importante na história da arquitetura sagrada ociden­tal. As idéias e a práticas geométricas do mundo clássico tardio fo­ram aprendidas pelos árabes quando eles conquistaram cidades uni­versitárias de importância vital como Alexandria muitos séculos an­tes. Textos como os Elementos de Geometria de Euclides foram tra­duzidos para o árabe e aplicados à nova arquitetura sagrada exigida pela nascente fé do Islã. Grandes progressbs em astronomia, arqui­tetura e alquimia foram conseguidos pelos árabes, que antes estavam muitos séculos atrás de suas contrapartes européias.
Por volta do século XI, todavia, com a emergência de estados nacionais relativamente estáveis, as técnicas de construção na Europa chegaram a um alto ponto de perfeição no estilo românico. so­brepujando até mesmo as melhores obras apresentadas pelo velho Império Romano. A construção com largos arcos fora dominada e os construtores haviam aperfeiçoado tanto as junções de argamassa, que um cronista do século XII comentou que as pedras da catedral de Old Sarum. iniciada em 1.102, estavam tão bem colocadas, que se poderia pensar que toda a obra fora feita com uma única rocha.
A esse elevado nível de perfeição somou-se um novo elemento - o arco pontiagudo, uma revolução geométrica originária da arqui­tetura sagrada islâmica. Afirma-se que o arco pontiagudo teve origem, na Europa, no mosteiro beneditino italiano de Monte Cassino, cons­truído entre 1066 e 1071. Alguns, se não todos eles, dentre os ma­çons que trabalharam nesse projeto eram cidadãos de Amalfi, uma república comercial italiana que possuía postos comerciais em luga­res tão distantes quanto Bagdá. Com esse intercâmbio, foi só uma questão de tempo até que os segredos da geometria dos maçons ára­bes fossem incorporados à arquite'ura sagrada ocidental para for­marem um novo estilo transcendente - agora conhecido universal­mente por gótico, nome pejorativo que lhe foi dado no século XVIII.
O arco pontiagudo que introduziu essa revolução é produzido pela intersecção de dois arcos. Em sua forma perfeita, esse arco é a metade posterior do vesica piscis. É estranha a coincidência de que o patrono de Amalfi seja Santo André. Aquilo que é tido como suas relíquias ainda repousa lá e sua efígie dourada segura um peixe - o emblema do vesica.
Embora os pacíficos comerciantes de Amalfi importassem o arco pontiagudo, os ou'ros segredos maçônicos do Islã não foram conseguidos sob a égide do comércio. A 27 de novembro de 1095, o Papa Urbano II conclamou a cristandade a liberar os lugares santos e de­volvê-Ios ao cristianismo. Milhares de homens piedosos, sacerdotes, monges, mercenários, soldados regulares e oportunistas atenderam ao chamado do Pontífice. A Primeira Cruzada foi surpreendentemen­te bem sucedida. Nicéia foi capturada em 1097; no ano seguinte caiu Antióquia e a 15 de julho de 1099 a cidade santa de Jerusalém ren­deu-se aos exércitos do Cristianismo após um cerco de apenas seis semanas.
Com esse sucesso sem precedentes, os "francos", como eram conhecidos os cristãos ocidentais, prosseguiram na obra de consolidação de suas conquistas. Como na Inglaterra, trinta anos antes, o país conquistado foi tornado seguro para os novos senhores por meio do reforço de velhos castelos e com a construção de novos em pon­tos estratégicos por todo o país. Os maçons empregados para a cons­trução desses castelos utilizaram o trabalho escravo, que sem dúvida incluiu uma proporção de maçons árabes, pois seus desenhos incor­poram muitas características desconhecidas dos artífices europeus.
A elasticidade e o entusiasmo dos maçons daquele período são mostrados pela rapidez espantosa com que as novas idéias conquistaram a Europa. A estrutura complexa da abóbada de pedra refor­çada com traves, conhecida apenas na Pérsia e na Armênia antes do ano 1100, foi utilizada na distante Catedral de Durham já em 1104. Fm Gales, a Abadia de Neath foi construída por um dos maçons do rei Henrique I, Lalys, um prisioneiro de guerra sarraceno. Suas téc­ nicas, aprendidas no Oriente Médio' de uma tradição isolada, foram sem dúvida transmitidas aos maçons ingleses e galeses que trabalha­ram com ele nesse projeto.
Outro elemento importante na nova síntese foi a redescoberta das obras de Euclides, o geômetra grego antigo. Sua obra fora considerada perdida para a Europa com a queda do Império Romano e sobrevivera apenas nas traduções árabes. Por volta de 1120, o eru­ dito inglês Adelard of Bath fez uma tradução dos Elementos do árabe para o latim, que os tornou acessíveis pela primeira vez aos geômetras e maçons europeus. O modo de transmissão dessa obra seminal para a Inglaterra não é conhecido, mas os Cavalheiros Tem­plários, que eram o repositório de muito do saber arcano tradicional, podem tê-Ia obtido de uma fonte conquistada. Edward W. Cox, um geômetra de Liverpool, escreveu em 1890:

"Durante o período das Cruzadas, muitas das regras e mui­tos dos mistérios conhecidos nos tempos clássicos parecem ter sido reorganizados. A influência da ocupação da Síria sobre a arquitetura européia é muito marcada e maravilhosa. Não só incontáveis igrejas, castelos e outros edifícios foram erigidos na Palestina pelos invasores com a ajuda dos habilidosos operários sírios, mas também os Templários e outras ordens militares e religiosas, que constituíram estabelecimentos na Europa. trouxe­ram esse conhecimento oriental.”

Ao longo dos séculos XII e XIII, foram desenvolvidas e refi­nadas as primeiras formas góticas. Os métodos islâmicos foram estu­dados e incorporados numa nova linguagem formal que passou de mão em mão com uma explosão de simbolismo místico. As grandes catedrais dessa época, como as de Chartres e de Paris, apareceram numa forma completamente nova num tempo consideravelmente cur­to. Sua construção, executada com um fervor literalmente religioso, continua sendo uma proeza espantosa de organização.
Uma tradição isolada, mas paralela, da arquitetura de igrejas estava seguindo seu curso. Conquanto as igrejas redondas configu­rem um tema contínuo, embora fragmentado, ao longo de toda a arquitetura sagrada do mundo cristão, elas ocupam um lugar especial e um pouco herético no esquema da geometria sagrada. O edifício redondo ocupou um lugar especial na iconografia cristã pois fora a forma escolhida para o Santo Sepulcro que uma vez marcara o sítio do túmulo de Cristo e o centro do mundo. Com a forma cir­cular desses edifícios representasse a reprodução microcósmica do mundo, as igrejas redondas representavam em toda parte os microcosmos locais que ocupavam o omphalos geomântico local.
As igrejas redondas derivaram originalmente dos templos pa­gãos primitivos da mesma forma. Os templos romanos redondos de Tivoli e Spalato, que sobreviveram até os tempos modernos, são tí­picos dos santuários que inspiraram os geômetras sagrados cristãos. O templo de Tivoli foi baseado no modelo grego, com colunação externa, mas o de Spalato, que fazia parte do complexo do palácio do poderoso imperador pagão Diocleciano, possuía colunas internas. Esse templo, planejado segundo o octógono, como muitas igrejas tem­plárias posteriores, formou o protótipo desses santuários cristãos primitivos tais como o de San Vitale em Ravena, que por sua vez jnfluiu sobre o Santo Sepulcro em Jerusalém e a capela de Carlos Magno.
Como os templos pagãos, as igrejas redondas eram microcosmos do mundo. Na Idade Média tardia, elas tornaram-se a prerrogativa de uma seita enigmática e herética, os Cavalheiros Templários. Esse corpo foi constituído em 1118 em Jerusalém com a função aparente de prover proteção aos peregrinos que visitavam os santuários da Cristandade na Terra Santa recém-conquistada. Seu poder cresceu rapidamente e logo a ordem tornou-se fabulosamente rica e capaz de erigir capelas e igrejas por toda a Cristandade. A forma redonda da igreja tornou-se especialmente relacionada à ordem e no centro das rotundas de suas igrejas não havia um altar sequer, mas um cubo perfeito de pedra talhada que era um dos mistérios do Templarismo.
A ordem foi extinta em 1314 e muitos dos seus oficiais mais graduados foram sentenciados à pena de morte pelas autoridades da igreja. Sua vasta riqueza foi remetida aos cofres dos monarcas do país em que a ordem funcionava. Mas, antes da extinção, a fortuna dos Templários possibilitara a ereção de inúmeras igrejas redondas. John Stow, em The Survey of London, 1598, escreveu: "Muitos homens nobres em todas as partes do mundo tornaram-se irmãos dessa or­dem e construíram templos em toda cidade ou município da Ingla­terra, mas o de Londres era sua casa principal e fora construído se­gundo a forma do templo que está próxima do sepulcro de Nosso Senhor em Jerusalém; eles possuíam outros templos em Cambridge, Bristow, Canterbury, Dover, Warwick".
Apenas seis igrejas redondas sobrevivem nas Ilhas Britânicas, duas das quais em ruínas. As outras quatro foram reconstruídas em grande medida no último século. As igrejas de Londres, Northamp­ton e Cambridge foram construídas segundo o princípio octogonal. A de Little Maplestead, em Essex (que pertenceu aos Cavalheiros Hospitaleiros, organização-irmã dos Templários), foi construída segundo o princípio hexagonal. No continente, a famosa capela de Drüg­gelte, na Vestfália, foi feita de acordo com um plano de doze lados, e a igreja redonda de Nijmegen, nos Países Baixos, incorporou uma estrutura de 8 e de 16 lados. Essa igreja possuía um octógono cen­tral a partir do qual se construiu uma nave lateral em dezesseis lados por meio de uma geometria simples.


Em Altenfurt, perto de Nuremberg, na Alemanha, havia uma igreja que representava a forma mais simples da arquitetura eclesiás­tica redonda. Consistia de uma nave redonda com uma abside simpIes oposta à entrada. Nas Ilhas Órcades, também, em Orphir, exis­tia uma igreja redonda quase idêntica conhecida como Casa Girth. Foi quase totalmente demolida no século XVII para fornecer mate­rial para uma nova capela presbiteriana a ser construída perto dali. Ela existe apenas como um fragmento, apresentando intacta apenas a abside. Todavia, seu nome dá-nos uma chave para a sua função microcósmica. No antigo escocês, a palavra Girth ou Gyrth tinha o significado de "santuário" ou "asilo". Girth também era usada para designar um círculo de pedras que cercava um antigo local de julgamento. Isso indicava que a igreja redonda de Orphir pode ter substituído um círculo de pedras que ocupava anteriormente o seu sítio. A palavra Girth também é cognato de garth e yarth, que significam terra, uma designação pública do microcosmo.
As igrejas redondas pertencem a uma tradição separada da cor­rente principal da geometria sagrada eclesiástica, tendo precedentes mais -nos esquemas romanos do que nos românticos. Elas eram de alguma maneira especiais, reservadas para sítios-omphalos importan­tes e não eram localizadas a esmo por todo o território. Com a extin­ção dos Templários, a forma redonda da igreja foi efetivamente eli­minada até que a Renascença a redescobrisse diretamente nas fontes pagãs antigas. Mas foi novamente suprimida quando as autoridades da Igreja reconheceram suas origens pagãs.
Em 1861, a forma redonda ainda era considerada pagã. O Re­verendo J. L. Petit escreveu nesse ano:

"Quase todos os espécimes continentais [de igreja redonda] são considerados pelos habitantes do lugar como um templo gen­tio; e, embora em cada caso particular não seja necessário re­futar a suposição, a universalidade da tradição pode torná-Ia digna de nota do antiquário. E, se for necessário procurar a derivação de uma forma tão simples, não há dúvida de que, como a forma retangular, ela pode ser remontada à época do paganismo.”

Mas por que a forma redonda da igreja foi considerada não­-cristã pela hierarquia da Igreja? A forma redonda, ao contrário de outros padrões tais como a Cruz Latina, não representava o corpo de um homem ou o corpo de Deus. Ao contrário, represen­tava o mundo, o domínio do terreno, e, em termos cristãos, as forças satânicas, pois que o Diabo na época medieval era personi­ficado como Rex Mundi, rei do mundo. No costume Templário, essa terrenidade era enfatizada pelo cubo que se situava no centro mesmo da rotunda. O cubo no interior do círculo representava a terra nos céus, a fusão dos poderes considerados heréticos pelos cristãos medievais, donde a perseguição aos alquimistas, magos e heréticos que se empenhavam nessa fusão. Com esse simbolismo exposto, não foi difícil provar a acusação de heresia com que os infelizes Templários foram incriminados. Princípios jslâmicos pú­blicos, derivados da ala mística do maometanismo, os Sufis, só ser­viram para amaldiçoar ainda mais a seita.
Todavia, o conhecimento técnico islâmico era de outra na­tureza. Sobreveio, por meio de um estranho conjunto de circuns­tâncias, um segundo período de influência islâmica que deveria var­rer o gótico "puro" de Chartres. Durante o século XIII, as hordas mongóis saíram de sua base na Ásia Central e se converteram numa séria ameaça ao Oriente Médio e à Europa. Após a primeira fase da expansão, o Império Mongol estava consoljdado com seu posto avançado na Pérsia sob o governo de um vice-rei que atendia pelo título de IIkhan. Tendo deixado de representar uma ameaça à Cristandade, os mongóis logo foram vistos como aliados contra os turcos. Vários reis cristãos enviaram emissários a sucessivos IIkhans a fim de cultivar essa aliança. Digno de nota foi o Olkhan Arghun (1284-1291), que manteve relações com muitos estados cristãos. Ele chegou até mesmo a enviar uma embaixada a Londres em 1289. Em troca, o rei Eduardo I da Inglaterra enviou uma missão co­mandada por Sir Geoffrey Langley à Pérsia. Langley participara de uma cruzada com o rei no começo dos anos 70 e viajara à Pérsia via Constantinopla e Trebizonda em 1292. Tajs embaixadas eram um canal para a transmissão do novo conhecimento. Os arquitetos asiáticos misturaram as suas técnicas com a tradição islâmica persa e aos poucos seu estilo foi transformado pelos maçons geômetras europeus.
Um edifício do período IIkhan que exerceu um efeito notável sobre a Europa foj o famoso mausoléu do IIkhan Uljaitu, em Sul­taneih. No início deste século, o erudito alemão Ernst Diez fez um estudo exaustivo desse memorial. Toda a sua estrutura é de­terminada por dois quadrados interpenetrados que formam um octó­gono. A partir dessa base octogonal, derivou-se a elevação, que contém triângulos e quadrados. A altura do edifício, medida por M. Dieulafoy rios anos 80 do século passado, é de 51 metros e o diâmetro interno tem exatamente a metade. Um sistema de razões, derivadas geometricamente, foi a origem básica dessas harmonias. Ao passo que o diâmetro principal dos pilares servira aos gregos antigos como módulos, os arquitetos persas levaram as dimensões dos arcos ou domos a relações determinadas com as outras partes do edifício. No mausoléu de Uljaitu, o ponto básico de partida foi a dimensão do diâmetro interno da câmara mortuária.
A partir dessa dimensão, o arquiteto construiu um octógono para a planta baixa. Para a elevação, um quadrado duplo foi er­guido. No quadrado superior, um triângulo eqüilátero definiu. o domo e o tímpano sobre o qual ele foi erguido acima da porção basal cúbica. As câmaras laterais e as galerias foram determinadas geometricamente por triângulos eqüiláteros cujas posições foram fixadas por quadrados oblíquos e diagonais. A arquitetura do mausoléu representava um ponto de partida construçional que influen­ciou o octógono da Catedral de Ely nas terras pantanosas longín­quas do East Anglia. Mausoléus com o teto como espigões do domo não haviam aparecido antes na Pérsia, embora tivessem sido cons­truídos na velha Delhi. Os mesmos sistemas de geometria que os maçons europeus utilizaram em seus grandes edifícios foram utilizados para glorificar um sistema religioso bastante diferente. A origem oriental dessa geometria, todavia, não deteve os arquitetos cristãos em sua tarefa. Como tecnólogos progressistas, eles acolheram com prazer as novas idéias dos infiéis e as incorporaram às úl­timas obras. Os princípios transcendentes foram adotados com ala­cridade pelos homens pragmáticos, cuja compreensão do simbolismo os capacitara a trabalhar com o inexperimentado e o insuspeitado.
O conhecimento acumulado da Pérsia e de outros países do Oriente Médio foi logo aumentado com informações provenientes de outros lugares. Em 1293, missionários cristãos foram da Itália à China e em 1295 Marco Polo retomou a Veneza, vindo de Pe­quim. Com esse intercâmbio sem precedentes, eram inevitáveis no­vas geometrias sagradas. Um exemplo bastante bem documentado da influência oriental está no Grande Salão da Piazza della Ragio­ne, em Pádua. Foi desenhado por um frade agostiniano chamado Frate Giovanni por volta de 1306. Giovanni trabalhara em muitos lugares da Europa e da Ásia e trouxera planos e desenhos dos edi­fícios que vira. Em Pádua, reproduziu um vasto teto de vigas que vira na Índia e que media 240 pés por 84.
Outras influências orientais podem ser demonstradas pelo aparecimento simultâneo de temas exóticos em lugares bastante distan­tes entre si. O arco de gola, em que os arcos que formam o arco são voltados para fora e continuam como uma característica arquitetônica sobre a porta ou janela, apareceu simultaneamente sem antecedentes tanto em Veneza quanto na Inglaterra. Detalhes da por­ta de St. Mary Redcliffe, em Bristol, e também na catedral dessa cidade e no castelo de Berkeley, também apresentam uma influência oriental inconfundível que pode ser comparada com a obra de Lalys em Neath.
As visitas de registradores desses detalhes arquitetônicos locais, tais como as de Simon Simeon e Hugh, o Iluminador, na Terra Santa em 1323, serviram para reforçar o interesse nos círculos mo­násticos pelo desenho oriental. O estilo "perpendicular" na In­glaterra, que surgiu por volta do final do século XIV, foi prenun­ciado pelos hexágonos alongados nos edifícios muçulmanos egípcios do século XIII. Os elementos verticais que cruzam a curva de um arco, uma característica importante do desenho da Capela do King's College em Cambridge (iniciada em 1446), já existiam no Mau­soléu de Mustapha Pasha no Cairo, construído entre 1269 e 1273. Os maçons da Europa, embebidos em conhecimentos geométricos, assimilaram prontamente as técnicas da arquitetura simbólica do Islã, realçando-a e trazendo-a a uma nova era.

9. Simbolismo Maçônico e Prova Documental

"As linhas geométricas falam a linguagem da crença - da crença forte, apaixonada, duradoura. Nelas as leis eternas da proporção e da simetria rei­nam supremas. O ciclo daquilo que é gerado divinamente está reproduzido na linguagem numérica do coro, do transepto, da nave, do corredor, do portal, da janela, da coluna, da arcada, do frontão e da torre. Toda característica tem sua unidade de me­dida, seu simbolismo místico.”
Hermon Gaylord Wood - Ideal Metrology.

As catedrais medievais são a mais fina flor da arte da geome­tria sagrada que se desenvolveu na Europa. As manifestações fí­sicas da summa theologiae, a incorporação microcósmica do universo criado, as catedrais em sua forma completa perfeita, unidas em suas posições, orientações, geometria, proporção e simbolismo, tentam criar a Grande Obra - a unificação do homem com Deus. Tem-se observado que muitas catedrais, como as de Canterbury, Gloucester e Chartres, foram construídas no sítio de antigos círculos megalíticos, incorporando em seus desenhos o posicionamento e a geometria dos círculos. Geomanticamente situados de maneira a poderem empregar ao máximo as energias telúricas da terra e as influências astro­físicas dos céus, os círculos de pedra derrubados pelos zelosos san­tos cristãos foram amalgamados na estrutura mesma das igrejas que os sucederam.
Louis Charpentier sugeriu que as pedras antigas de estruturas megalíticas, além de absorverem influências cósmicas e telúricas, também agiam como instrumentos de vibração. Esses instrumentos de pedra, afirmou ele, podiam acumular e ampliar as vibrações das ondas telúricas, agindo antes como uma caixa de ressonâncja. Essas energias, assumidas pelos cristãos, ainda exigiam um ressonador, que foi providenciado com a construção das paredes de pedra e da abó­bada da catedral.
Se a geometria dos círculos e dolmens de pedra dependia do comprimento da onda das energias telúricas, então a geometria, reproduzida num vasto edifício de pedra, agiria como um canal para as energias ressoantes ali capturadas. As lendas que cercam a fixação das energias da terra no omphalos e que estão incorporadas aos contos universais de matadores de dragão reforçam este ponto de vista. Nos mitos de morte do dragão, o herói solar transpassa o dragão com sua espada ou lança. Fazendo-o, ancora as energias telúricas vagueantes da Terra em um sítio, de maneira que elas pos­sam ser contidas e canalizadas para uso do sacerdócio. Nos últimos tempos, o herói solar identificou-se com os santos cristãos Jorge e Miguel.
Outra indicação desse fenômeno é a aceitação universal da medida canônica. Em muitas culturas, não se acreditava que as unidades fundamentais de medida possuíssem origens divinas, mas tinham sido transmitidas pelos Deuses. O receptáculo dessas me­didas sagradas era um homem ou um semideus, freqüentemente o fundador legendário da nação. Essas medidas eram então cuidadosamente guardadas contra a profanação e a alteração e largamente empregadas na construção da arquitetura sagrada. Assim, vemos as proporções serem engendradas naturalmente pela geometria a partir da medida inicial. Se a catedral era destinada a agir como um canal e um ressoador, não se poder,ia escolher nenhuma dimensão melhor do que aquelas baseadas num sistema harmônico natural ela­borado com medidas diretamente relacionadas ao comprimento te­lúrico das ondas. O comprimento da onda das energias telúricas locais, uma vez determinado por métodos ocultos, podia ser vene­rado em medidas sagradas imutáveis e formar uma base natural para a construção dos instrumentos que deveriam manipular essas energias.
Charpentier acreditava que os beneditinos intensificavam as for­ças terrestres por meio do som físico - o canto gregoriano -, cuja ação aumentava a harmonia geométrica do edifício para a produção de estados mais elevados de consciência. Os beneditinos eram, na verdade, uma ordem que utilizava o conhecimento antigo. O pesquisador alemão Kurt Gerlach descobriu que os mosteiros beneditinos da Boêmia (Tchecoslováquia) foram arranjados uns com os outros segundo relações geométricas precisas. Esses mosteiros estavam localizados em linhas segundo múltiplos e submúltiplos específicos da medida antiga conhecida como Raste, correspondente a 44 quilômetros.
Assim, as várias características da catedral gótica eram harmonizadas para criarem um todo que ligava completamente o homem, o microcosmo, com o universo. As funções múltiplas que se espe­ravam as catedrais góticas cumprissem significavam que elas não seriam apenas expressões de harmonia geométrica simples como a Saint Chapelle em Paris ou a Capela do King's College em Cam­bridge. Elas necessitavam várias divisões e subdivisões que cum­prissem as funções de local de encontro, igreja da paróquia, capela para ofícios menores, confessionário e sede do Bispado local. Além desses usos exotéricos, a catedral tinha de incorporar as doutrinas da fé e expressar as energias e geometrias inerentes ao sítio. Assim, as geometrias das catedrais góticas incorporam muitas estruturas complexas que podem ser interpretadas em vários níveis. A geo­metria fundamental da planta baixa é sempre gerada diretamente da linha axial orientada. A data da fundação e a sua orientação são "trancadas" na geometria à aparente posição solar no dia do pa­droeiro. Assim, em cada dia patronal sucessivo, o sol brilharia diretamente ao longo do eixo da catedral. O Professor Lyle Borst descobriu que muitas catedrais possuem uma geometria do lado leste derivada dos círculos de pedra. As orientações desses sítios mega­líticos segundo vários fenômenos solares e lunares são bastante co­nhecidas, pesquisadas que foram por estudiosos como Sir Norman Lockyer e o Professor Alex Thom. A geometria das catedrais, que recobre a das orientações múltiplas dos círculos de pedras, também devia preservar orientações outras que não a simples orientação axial do dia do p'adroeiro. Isto também quer dizer que o padroeiro pode ter sido determinado a partir da orientação principal do círculo de pedra preexistente.
Descobriu-se recentemente que o esboço do vasto complexo de templos de Angkor Wat, no Camboja, foi desenhado de tal maneira que fossem incorporados 22 alinhamentos separados de posições solares e lunares. Observando os fenômenos de alguns pontos bem determinados, o astrônomo-sacerdote era capaz de checar o calen­dário por meio da observação direta. A construção das catedrais britânicas no topo de observatórios megalíticos pode ter reproduzido de maneira similar a informação astronômica em sua geometria. Rose Heaword demonstrou que a Capela de St. Cross em Winchester possuía um alinhamento nascer-do-sol que era visível em determi­nado ponto por uma janela. Esse nascer-do-sol ocorre no dia da Santa Cruz, a 14 de setembro, e não corresponde à orientação axial da capela. Estudos que estão sendo efetuados podem demonstrar muito mais a respeito desses alinhamentos múltiplos e de sua re­lação com a geometria sagrada.
No período em que as catedrais góticas foram erigidas, havia dois sistemas maçônicos de geometria que eram comumente usados. O mais antigo era conhecido como ad quadratum e baseava-se no quadrado e nos seus derivados geométricos. O mais novo, e em alguns aspectos o sistema mais dinâmico, baseava-se no triângulo eqüilátero e era conhecido como ad triangulum.
O ad quadratum era formado diretamente do quadrado e da sua figura derivada, o octograma. Colocava-se por cima do qua­drado inicial - que era orientado segundo a maneira aprovada pelos geomantes e maçons encarregados da orientação - um se­gundo quadrado do mesmo tamanho. Este, a um ângulo de 450 do primeiro quadrado, formava o octograma, um poligrama de oito pontas. Na tradição maçônica, essa figura foi inventada por um mestre de Estrasburgo, Albertus Argentinus. Nos escritos maçôni­cos alemães posteriores, essa figura é chamada acht-uhr ou acht-ort, oito horas ou oito lugares. Esses nomes aludem a uma divisão óctupla pagã antiga do compasso, o dia e o ano que eram imitados no edifício como um microcosmo do mundo. A partir desse octo­grama inicial, toda a geometria da igreja podia ser desenvolvida de duas maneiras.
A primeira maneira, o acht-ort verdadeiro, desenvolvia uma série de octogramas internos e externos, traçados diretamente a par­tir da primeira figura. Esse sistema. pode ser visto nas catedrais de Ely (ver Figura 26), Verdun, Bamberg e em outras catedrais basicamente românicas. Todavia, à época das últimas igrejas gó­ticas, o sistema ad quadratum refinou-se para uma forma mais com­plexa baseada mais no quadrado duplo do que no simples. Essa forma, deve-se lembrar, era favorecida desde a antigüidade egípcia como uma forma adequada a um lugar santo.
A segunda e última derivação do ad quadratum produziu o complexo geométrico elegantemente proporcionado conhecido como "dodecaid", um poligrama irregular de doze pontas que se prestou admiravelmente ao planejamento de igrejas. Como o acht-ort sim­ples do ad quadratum primitivo, a figura básica era um octograma. Todavia, o primeiro quadrado, do qual se derivava o octograma, era ampliado até formar um quadrado duplo e, desse segundo qua­drado, construía-se outro octograma. Isto fazia uma figura de dois quadrados contíguos com quadrados coincidentes a 450 do quadrado duplo. Sobre esse octograma interlaçado sobrepunha-se um quadrado maior que cortava as intersecções internas dos dois octo­gramas. Isso produzia uma figura que possuía razões geométricas que se interseccionavam na construção.



O dodecaid é rico em simbolismo cristão. Os três quadrados coincidentes possuem em seu centro um pequeno quadrado comum a todos eles. O quadrado central é maior do que os outros, simbolizando o Pai da Trindade Cristã, com o quadrado pequeno no meio simbolizando a unidade essencial da divindade trina. A estrutura do quadrado duplo que penetra a trindade incorpora os quatro elementos e as quatro direções. simbolizando o mundo material interpenetrado e sustentado pela divindade. O todo é uma si­nopse dos números três e quatro, o sete místico.
Na construção atual da igreja, os quatro cantos do quadrado duplo marcam as quatro fundações da igreja, as pedras angulares sobre as quais se funda a construção material. O mais oriental dos três 45° representa Cristo. Seu centro é o foco onde o altar é fundado e onde, a cada dia, por meio da celebração da Missa, acre­ditam os cristãos, Cristo está presente na forma de hóstia e de vinho. O quadrado maior e central, no oeste, representa o pai. Baseia-se no omphalos central, o ponto do cruzamento sobre o qual a torre principal e a agulha deverão ser erguidas. Esse cen­tro, o ponto coincidente dos três quadrados que representam a fusão da trindade, indicava freqüentem ente um poderoso centro geomân­tico. Esse centro pode ser percebido pelos hidróscopos sob a forma de uma poderosa fonte cega com suas espirais associadas. Esse omphalos geomântico existe na Catedral de Salisbury, que possui a agulha mais alta da Inglaterra e marca um lugar situado numa linha ley que vai de Stonehenge a Frankenbury. Mais a oeste da cruz da catedral está o quadrado que representa o Espírito Santo. Aqui, - tradicionalmente, ficava a pia batismal, o lugar em que o Espírito Santo penetrava no neófito por ocasião do seu batismo.
A essência da geometria sagrada é simples. Todas as partes 90 conjunto sagrado, desde o aparato e as vestimentas do clero até a forma de todo o edifício sagrado, são determinadas diretamente por uma figura geométrica fundamental. Todas as dimensões e to­das as posições estão idealmente relacionadas diretamente a esse sis­tema e, assim sendo, estão integradas com o todo da criação. As elevações das igrejas medievais eram determinadas diretamente pela geometria das plantas baixas. A Saint Chapelle, a capela dos reis franceses, demonstra admiravelmente essa necessidade geométrica. Sua planta baixa é produzida pelo dodecaid, com uma pequena ca­pela lateral feita a partir de uma versão menor do ad quadratum e a sua geometria elevacional interna feita diretamente a partir deste último. Edifícios posteriores, como a capela do King's College, foram planejados pelos mesmos métodos, mas as dimensões, em vez da geometria direta, foram dadas pelas autorizações dos seus planos. Assim, a altura da abóbada de King's College foi mantida na capela terminada, embora tivesse sido seguido um método de construção da abóbada diferente do que fora pensado anteriormente.
As igrejas medievais não foram desenhadas apenas como gal­pões que acomodassem um determinado número de fiéis; nem, como se deduz freqüentemente, foram construídas "à medida que eram erigidas". Exatamente como na prática arquitetônica moderna, tudo era calculado para fazer avançar cada detalhe, toda e qualquer característica do edifício era determinada exatamente de acordo com a geometria sagrada. As peças sobreviventes apresentam uma preocupação, por parte dos desenhistas, com dimensões e proporções precisas.
A planta baixa da Catedral de Ely, em Cambridgeshire, servirá para ilustrar os trabalhos práticos da geometria sagrada medieval. Como muitos outros edifícios, a catedral atual é o resultado de muitos séculos de acréscimos. A catedral normanda original foi esboçada em 1082 e completada cerca de um século mais tarde. No século XIII, foi acrescentado um pórtico na extremidade oeste, na mesma posição do das catedrais de Glastonbury e Durham. Na mesma época, foi feita uma extensão para o leste do coro com di­mensões definidas de acordo com os princípios do ad quadratum. A extensão foi definida por um quadrado oblíquo da largura da nave mais um triângulo de 45° da largura da abóbada. Esse qua­drado oblíquo foi utilizado mais tarde para determinar a largura da nova Lady Chapel, que foi iniciada em 1321.
As dimensões da Lady Chapel não foram definidas pelo ad quadratum, mas pelo mais recente ad triangulum maçônico. Suas dimensões foram produzidas pela geometria de um círculo cujo raio é um pouco menor de 105 pés ingleses (96 pés saxônicos). Este é o raio que def.iniu o octograma básico com que se esboçou a planta baixa da catedral. O canto interno do nordeste de Lady Chapel foi produzido por raios interseccionantes da mesma extensão, como também o canto noroeste, que também foi marcado pelo qua­drado oblíquo. A linha diagonal que define o espaço oriental da catedral chega ao canto noroeste de Lady Chapel depois de passar pela porta da capela. Um raio do centro do cruzamento que toca os arcobotantes da extremidade leste do coro também toca os arco­botantes de Lady Chapel. Seu raio tem 192 pés saxônicos - o dobro do raio da base do octograma, gerado pela geometria ad quadratum.
No ano seguinte ao início de Lady Chapel ocorreu um desas­tre. A torre central, situada sobre o cruzamento, ruiu para o leste, talvez enfraquecida pelas operações da construção. A reconstrução foi iniciada e seguiu-se a geometria sagrada original do ad quadra­tum. A velha - torre não foi copiada, mas um novo domo gótico octogonal, sem precedentes na arquitetura ocidental, foi erigido em seu lugar. O método técnico de construção foi uma cópia quase exata daquele que fora utilizado no mausoléu persa de Uljaitu Cho­dabendeh em Sultaneih. Sobre esse octógono de pedra sem prece­dentes foi construído um incomparável "farol" de madeira, dese­nhado e executado pelo Carpinteiro Real, William Hurley. No seu centro está uma magnífica obra de talha, representando Cristo em Majestade, executada por John Burwell. Exatamente acima do cruzamento, ela representa a contraparte celestial do omphalos ter­reno.
Embora tenha sobrevivido muito pouca documentação sobre as construções românicas tardias ou góticas primitivas, os detalhes documentais de duas tardias e notáveis igrejas colegiadas medievais ainda podem ser examinados. A ,igreja de Fotheringhay, em Northamp­tonshire, e a Capela do King's College, em Cambridge, foram cons­truídas segundo instruções precisas que ainda sobrevivem.
Ambos os edifícios foram desenhados no século XV. Fothe­ringhay é o mais antigo dos dois. A aldeia de Fotheringhay é hoje notável apenas por seu cenário pitoresco entre as campinas banha­das pelo rio Nene e pela espantosa torre octogonal de uma igreja cujo desenho memorável mostra sua eminência anterior. A forma isolada da igreja lembra-nos tristemente que ela é agora apenas um fragmemo de um colégio reai, reduzido hoje à condição de paró­quia. O colégio foi fundado por Edward Plantagenet, apelidado Langley, o quinto filho do rei Eduardo III. Edmundo, Duque de York, seria o fundador da Casa de York. Ele iniciou a constru­ção do colégio e reconstruiu a igreja paroquial, que estava ligada a ele por um claustro de 88 janelas de vidro colorido. O filho de Edmundo, Eduardo, Duque de York, pretendia levar à frente o projeto após a morte do seu pai com a reconstrução da nave da velha igreja no mesmo estilo do novo coro, mas foi morto na ba­talha de Agincourt antes que a construção fosse iniciada. Todavia, o projeto não foi abandonado e é o exame de um acordo assinado a 24 de setembro de 1434 que nos informa sobre as práticas maçô­nicas de desenho dos franco-maçons ingleses daquela época.




O contrato foi feito entre William Wolston, Squire, e Thomas Pecham, amanuense, comissários do "Supremo e poderoso príncipe, meu Senhor respeitável, o Duque de York", e WiIliam Horwood, franco-maçom de Fotheringhay. O contrato detalhava com medidas precisas a especificação de uma igreja cujas proporções requintadas ainda hoje deliciam os olhos. O contrato estipulava a construção de "uma nova nave de uma igreja, que chegue até o coro, no Co­légio de Fotheringhay, da mesma altura e da mesma largura do dito coro; e que tenha um comprimento de oitenta pés a partir do dito coro, com paredes de um metro-jarda (de espessura), um metro­jarda da Inglaterra, contado sempre como três pés. (...) E no lado norte da igreja o dito William Horwood fará um pórtico; o lado externo de pedra de cantaria lisa, o lado interno de pedra áspera, contendo em comprimento doze pés e em largural o que o arcobotante da nave permitir (...) e na extremidade oeste da dita nave haverá um campanário construído sobre a igreja sobre os três arcos fortes e poderosos abobadados em pedra. Dito campanário terá de comprimento oitenta pés segundo o metro-jarda de três pés para uma jarda, sobre o chão a partir das pedras da cornija e vinte pés quadrados entre as paredes (...)".



Cada detalhe do edifício proposto foi especificado no contrato, e também as dimensões quando elas foram julgadas relevantes. Não se- sabe se o próprio Horwood projetou as dimensões e esboçou um diagrama que serviu de base para as dimensões contratuais. Só doze anos depois é que uma outra fundação colegiada real aponta­ria para a possibilidade de o fundador ou seus auxiliares diretos no campo geomântico terem executado o desenho. Seja qual for a verdade, o tom de todo o contrato está vazado como instruções a Horwood, o franco-maçom funcionário que está apenas recebendo ordens de uma autoridade superior, e não detalhes elaborados arbitrariamente por ele.


Embora a igreja de Fotheringhay tivesse sido completada por volta de 1460, data da morte de Ricardo, o Duque de York, a construção da abóbada abaixo da torre traz a marca do grande mestre lohn WastelI, de quem uma obra idêntica sobrevive hoje na Catedral de Peterborough, na porta de entrada de St. John's ColIege em Cambridge e, sobretudo, no teto magistral da Capela do King's College, na mesma cidade.
Essa capela foi desenhada pelo rei Henrique VI, o fundador. Na sua declaração de intenções, datada de 1498, ele forneceu todas as dimensões necessárias a que seu mestre maçom, Reginald Ely, preparasse os planos completos para a capela e, por conseguinte, todo o colégio. Uma análise dos seus planos mostra que eles foram ba­seados no ad triangulum. Todas as partes da capela estão relacionadas com a geometria global, até mesmo as pequenas capelas ane­xas laterais. Embora 69 anos se tenham passado antes que a ca­pela fosse completada, o mestre maçom John Wastell, que não ha­via nascido quando a capela foi iniciada, aderiu à letra da decla­ração de Henrique terminando-a exatamente nas dimensões estipu­ladas. O sistema geométrico, a despeito das alterações de carac­terísticas dinásticas e estilísticas, foi mantido como dever sagrado.

10. Problemas, Conflitos e Divulgação dos Mistérios

"A história antiga é como uma paisagem no­turna, na qual andamos às apalpadelas, discernindo vagamente alguns contornos na escuridão geral, e ficamos felizes se aqui ou ali a obra de um autor em particular ou uma ruína ou uma obra de arte ilumina momentaneamente, como um raio nas tre­vas, o campo particular que estamos explorando.”
Filo, Sobre a vida contemplativa.

O caso da construção da Catedral de Milão é de extrema im­portância no estudo da geometria sagrada. Ele interessa em dois sentidos, o documental e o simbólico. A Catedral de Milão foi fundada em 1386 e, por essa razão, estava no centro de uma en­carniçada controvérsia relativa a que forma de geometria sagrada deveria ser utilizada: ad quadratum ou ad triangulum. Um grande número de peritos reuniu-se a fim de determinar o que seria feito na construção dessa obra-prima potencial. Talvez por causa dessa pletora de peritos, desenvolveu-se entre os adeptos de um e de outro sistema uma encarniçada discussão.   
Sabe-se que já em 1321, durante a ereção do domo da catedral de Siena, os cinco inspetores escolhidos para examinar a construção objetaram contra a continuação da obra "porque, se terminada como foi iniciada, ela não terá as medidas de comprimento, largura e al­tura que as regras prevêem para uma igreja". Uma disputa simi­lar verificou-se a respeito da construção da Catedral de Milão.
Hoje, a Catedral de Milão é considerada uma obra-prima da arquitetura gótica tardia. Recentemente, sua estrutura foi algo sacudida pelas vibrações dos carros, dos ônibus e do metrô que trafegam ao seu redor, mas a sua gestação foi tão cheia de recriminações que parecia que ela nunca seria terminada. A cate­dral foi fundada em 1386 por ordem de Gian Galeazzo Visconti, que conquistara influência sobre a cidade de Milão graças ao expediente da morte do seu tio. Todavia, nenhum outro edifício tão portentoso foi construído na Lombardia durante séculos e logo os maçons inexperientes encarregados do projeto defrontaram­ se com sérios problemas. O lado teórico da geometria sagrada segun­ do a qual o edifício deveria ser construído atolou-se numa discussão aparentemente insolúvel.
Inicialmente, a planta baixa da catedral fora desenhada de acor­do com o ad quadratum, baseado no quadrado e no quadrado duplo, com uma nave central pronunciada e naves laterais de igual altura. Essa planta, todavia, foi logo abandonada e substituída pelo ad trian­gulum para a elevação - e foi aí que os problemas começaram. A altura de um triângulo eqüilátero, a base do ad triangulum, é inco­mensurável com seu lado. Colocá-Io sobre uma planta baixa báseada no ad quadratum seria transformar numa tolice a comensurabilidade da geometria sagrada e todas as proporções da elevação estariam completamente erradas.
A fim de trazer novamente um ar de lógica à geometria, foi cha­mado um matemático de Piacenza, Gabriele Stornaloco. Ele reco­mendou um arredondamento da altura incomensurável de 83,138 para 84 braccia, que poderia ser comodamente dividida em seis unidades de 14 braccia. Embora fosse aceitável em princípio, o esquema de Stornaloco foi posteriormente modificado, produzindo-se uma redução posterior na altura e trazendo-se a catedral para mais perto dos princípios clássicos. O mestre maçom alemão Heinrich Parler enfu­receu-se com esse compromisso de medida verdadeira. Seus protestos levaram-no a se demitir do posto de consultor em 1392. Em 1394, Ulrich von Ensingen veio de UIm como consultor, mas ficou em Milão apenas seis meses antes de fazer novamente as malas. Os maçons lom­bardos lutaram desesperadamente até 1399, quando Jean Mignot foi chamado da França para supervisionar as obras.
Mignot, todavia, não ficaria aí por muito tempo. Suas críticas aos princípios maçônicos locais foram tão causticantes, que um co­mitê foi chamado a discutir os pontos que ele levantara. Uma tal ignorância dos princípios geométricos e mecânicos góticos foi de­monstrada pelos maçons lombardos, que eles tentaram argumentar que os arcos pontiagudos não poderiam de maneira alguma justi­ficar a geometria aberrante pretendida para o edifício. Exasperado, Mignot bufou: "Ars sine scientia nihil est" (A Arte não é nada sem a Ciência). Recebeu a seguinte réplica lombarda: "Scientia sine arte nihil est" (A Ciência não é nada sem a Arte).
Mignot voltou para Paris em 1401, sem ter feito progresso al­gum com os intransigentes lombardos. Por métodos pragmáticos, os italianos improvisaram e terminaram o coro e os transeptos por volta de 1450. Nem toda a catedral foi terminada, todavia, até que a fa­chada oeste foi finalmente completada sob as ordens do Imperador Napoleão I em 1809.
A geometria de Milão foi preservada numa edição de Vitrúvio publicada em 1521. Ela mostra o plano e a elevação da catedral como uma ilustração dos princípios vitruvianos. Só esta ilustração é uma prova da unidade essencial dos sistemas clássicos e maçônicos da geometria sagrada. O esquema apresentado na gravura baseia-se no rhombus ou vesica. A elevação triangular do corte transversal da catedral é mostrada em superposição a círculos concêntricos em que o quadrado e o hexágono são desenhados, demonstrando a relação da elevação com o ad quadratum do plano básico.
Essa exposição da geometria sagrada maçônica de uma catedral é indicativa da atitude modificada diante dos mistérios antigos exi­bidos pelos escritores da Renascença. Ela se encaixa perfeitamente na tradição de Matthäus Röriczer, um maçom que revelou sua arte quebrando seu juramento de sigilo. Röriczer, que morreu em 1492, pertencia à terceira geração de uma família que servia de mestres maçons na Catedral de Regensburg. Matthäus era o chefe de uma loja onde fora desenhada e executada toda a obra de construção e, como tal, era o responsável por todas as molduras e todos os entalhes, por seu esboço e seu desenho. Embora, sendo um franco-ma­çom, estivesse preso ao juramento horrendo de não divulgar os mis­térios maçônicos aos não-iniciados, ele deu um passo sem preceden­tes com a publicação de detalhes que anteriormente haviam sido ocultados nos livros de anotações das lojas maçônicas operativas.
Embora a única obra publicada de Röriczer fosse um pequeno panfleto que deu solução a um problema geométrico, ela tem uma importância fundamental porque é a única chave sobrevivente da geometria sagrada maçônica. A obra, intitulada On the Ordination of Pinnacles, forneceu a solução do problema de como erigir um pináculo de proporções corretas a partir de uma planta baixa dada. Por volta do final do período medieval, os maçons estavam produzindo as obras-primas do gótico flamboyant e perpendicular pelos meios mais simples. As plantas de execução (conhecidas na Ingla­terra como "plats") eram preparadas pelos maçons até os últimos detalhes. Ainda existem alguns desses "plats", como os que foram desenhados para a fachada oeste da Catedral de Estrasburgo, por Michael Parler em 1385, e o da agulha da Catedral de Ulm, por Matthias Böblinger. Cada uma das partes do intrincado desenho é relatada aos seus camaradas por meio da geometria. O maçom ope­rativo, equipado com esse diagrama, podia tomar uma dimensão como ponto de partida e com ela, utilizando-se régua e compasso, a geometria chega ao plano do tamanho natural das partes que ele deve executar. Com esse plano rdo tamanho natural, desenhado sobre um "piso de decalque" de gesso, faziam-se gabaritos de madeira segundo os quais as pedras finais eram cortadas e talhadas.
A exposição de Röriczer do sistema demonstra admiravelmente a simplicidade elegante desse método canônico. Em vez de uma referência constante a medidas num plano, como na moderna prática da engenharia, o pináculo (ou o pinásio, a ombreira da porta, o componente da abóbada, etc.) era "desenvolvido" organicamente, por assim dizer, a partir de um quadrado. A geometria, diferentemente da medida, é auto-reguladora e quaisquer erros podem ser vistos ime­diatamente. Seja qual for o tamanho do quadrado inicial, todas as partes do pináculo estão relacionadas a ele em proporção natural. Como as dimensões do quadrado original poderiam ter sido deriva­das como uma função da geometria global da igreja, o tamanho do pináculo estava relacionado harmoniosamente ao todo.
O livreto de Röriczer foi dedicado ao Príncipe Wilhelm, Bispo de Eichstadt (1464-1496), descrito na dedicatória como "(...) um cultor e um patrono da arte livre da geometria". Wilhelm era mem­bro ativo do conselho de construções das igrejas de Regensburg, UIm e Ingolstadt. Depois de termos lido a instrução de Röriczer, não achamos que Wilhelm fosse apenas um administrador, mas uma pessoa bastante interessada em conhecer a metodologia exata que estápor trás da geometria sagrada. Esses homens foram os primeiros "ma­çons especulativos", patronos ricos que desejavam sinceramente co­nhecer os segredos dos maçons operativos. A fim de obter esses se­gredos, os patronos eram geralmente admitidos à irmandade dos franco-maçons por meio dos ritos iniciatórios típicos. Como as atividades dos maçons diminuísse com o surgimento de arquitetos trei­nados em academias, o número de "maçons especulativos" aumentou.
Entrementes, as lojas operativas de franco-maçons fecharam-se uma a uma. A última delas foi a primeira loja da Europa - a de Estrasburgo, que fechou em 1777. A partir de então, as artes e os mistérios da franco-maçonaria foram mantjdos apenas pelos "maçons especulativos".
Os pináculos descritos por Röriczer são construídos de acordo com o ad quadratum. Embora o ad triangulum fosse o último método alemão medieval da geometria sagrada, ele não era facilmente apli­cável aos remates e aos arcobotantes que são parte integrante da construção gótica. Então o ad quadratum foi usado nessas partes es­senciais da estrutura.
A produção do plano do pináculo era levada a efeito da se­guinte maneira:

Röriczer: "Quereis desenhar um plano para o pináculo se­gundo a arte dos maçons, por meio da geometria regular? Deveis então fazer um quadrado, como está aqui designado pelas letras A:B:C:D; ligar A a B e B a D e D a C e C a A, de modo a obter uma figura semelhante à do esquema anexo.
Fazer depois um outro quadrado. Dividir AB em duas par­tes iguais e chamar E; da mesma maneira, dividir BD e chamar H; do mesmo modo, dividir DC e chamar F; igualmente, dividir CA e chamar G. Depois, traçar uma linha de E a H e de H a F, de F a G e de G a E.
Depois de terdes assim procedido, fazei outro quadrado sobre este segundo.
Quando terminardes os três quadrados de tamanho igual a ABCD, IKLM e EHFG, tereis uma figura semelhante à do esquema anexo.”




Esses três quadrados exercem uma relação geométrica especí­fica COm um outro: a diagonal do segundo quadrado é igual ao lado do primeiro quadrado e a diagonal do terceiro é igual ao lado do segundo. A ação seguinte na geometria de Röriczer envolve o traçado de quatro cantos; depois, toma-se o raio IN e com um compasso são traçados quadrantes que produzem as dimensões da mol­dura côncava do painel e do plano completo da agulha. A partir desse plano, constrói-se, com a utilização de uma régua e de um compasso, a planta baixa final de um pináculo.
Com base nessa complexa planta baixa, a elevação era feita com movimentos igualmente simples de régua e compasso. Cada um dos maçons que executavam essas obras possuía uma marca indi­vidual que podia ser usada para identificar não só a obra do próprio maçom, mas também as lojas de que ele provinha. As marcas dos maçons existiram em todos os países na tradição arquitetural oci­dental do Egito antigo em diante e são sigilos característicos que em geral são derivados geometricamente.
Embora tenha sido um "segredo maçônico", afirmou-se durante muito tempo que cada loja central de maçons operativos possuía seu "diagrama matriz" próprio a partir do qual derivavam todas as marcas utilizadas pelos seus membros. O Professor Homeyer, em Hof und Hausmarken, publicado em 1870, mencionou que, por volta do ano de 1820, um certo Dr. Parthey lhe dera um "diagrama ma­triz" no qual estavam baseadas todas as marcas dos maçons da Ca­tedral de Estrasburgo. Diz-se que esse diagrama fora descoberto por um certo Arnold de Estrasburgo, um arquiteto.


Costuma-se dizer que em 1828 o maçom Kirchner de Nurem­berg estava de posse de um livro que fazia todas as marcas indivi­duais dos maçons derivarem de uma fonte comum. O Professor Franz Rziha, em sua obra Studien über Steinmetz-zeichen, publicado em 1883 em Viena, demonstrou que, a partir de determinados dia­gramas geométricos fundamentais, poderia ser derivada uma série de "diagramas matrizes" ou chaves na qual se poderia incluir todas as marcas de maçons conhecidos. Nas 68 lâminas que ilustram essa obra, Rziha enquadrou 1145 marcas em seus próprios diagramas, demonstrando a universalidade do sistema.



O conhecimento de todos os níveis da geometria era, assim, uma prerrogativa do franco-maçom. Com esse conhecimento da geometria das marcas, um maçom podia "provar" sua marca quando isso fosse exigido dele e também podia julgar a origem de qualquer outra marca que ele visse. O Professor Rziha descobriu quatro diagramas geométricos básicos nos quais se baseavam as marcas de todos os maçons. Os dois primeiros diagramas eram os modelos ad quadra­tum e ad triangulum regulares. Os outros dois eram mais complexos, chamados por Rziha de vierpasse e dreipasse. O vierpasse corres­ponde à geometria do quadrado que incorpora vesicas relacionados, ao passo que o dreipasse utilizava uma combinação diferente de triângulos eqüiláteros e círculos. Cada um desses diagramas pode ser ampliado à vontade e, então, uma série muito elaborada de fi­guras geométricas forma a base das marcas dos maçons.
Rziha descobriu os "diagramas matrizes" de um grande número dos maiores centros europeus de conhecimento maçônico, inter alia Nuremberg, Praga, Estrasburgo, Viena, Colônia e Dresden. A geometria do macrocosmo estava reproduzida até mesmo no nível mais baixo da tradição maçônica européia e, assim, até mesmo as marcas mal perceptíveis feitas em pedras isoladas eram, sem dúvida, em­blemas das estruturas transcendentes do universo.

11. A Geometria Sagrada da Renascença

"Deus também criou o homem à sua própria imagem: pois, como o mundo é a imagem de Deus, também o homem é a imagem do mundo.”
H. Cornelius Agrippa, Filosofia oculta.

Com a redescoberta dos velhos modos romanos clássicos de arquitetura, a geometria linear superposicional do período medieval foi rapidamente suplantada por uma geometria poligonal centralizada. No século XV, na Itália, pode-se ver uma transição gradual nos pIa­nos das igrejas da Cruz Latina tradicional para a centralizada. Essa tendência centralizadora, derivada da prática pagã antiga, tem sido vista por muitos historiadores como emblema de um movimento de fuga das crenças cristãs transcendentes da Idade Média para um ethos mais humanista, antropocêntrico. Essa noção reducionista de que a crença, cristã medieval mergulhara num ataque furioso de hu­manismo ateísta exaltado ignora as correntes subterrâneas do pensa­mento geométrico do período.
As igrejas centralizadas colocaram o problema da separação hierárquica da congregação e do clero e, mais fundamentalmente, a questão do sítio do altar. Os requintes da geometria centralizada, todavia, estavam crescendo. Uma obra-chave para a compreensão dessa nova geometria é o primeiro tratado arquitetônico da Renascença, De re aedificatoria, escrito entre 1443 e 1452 pelo arquiteto Alberti. As origens pagãs de suas idéias estão mais claramente apre­sentadas nos seus desenhos para templos, como ele denomina as igrejas. O círculo, afirma ele, é a forma primária que, acima de todas as outras, é favorecida pela natureza, começando-se pela própria forma do mundo. Para os templos, Alberti demonstra o uso de nove figuras geométricas. Utiliza o círculo, cinco polígonos regulares (o quadrado, o hexágono, o octógono, o decágono e o dodecágono) e três retângulos (o quadrado e meio, o quadrado e um terço e o qua­drado duplo).
A partir dessas plantas baixas, Alberti desenvolve anexos geométricos que servem como capelas laterais. Estas são retangulares ou semicirculares na forma e estão relacionadas radialmente ao ponto central. Com a adição de figuras geométricas simples ao poIígono básico ou círculo, pode-se produzir uma classe quase infinita de configurações.
Alberti inspirou-se nos edifícios vitruvianos da era clássica, mas, estranhamente, a forma central que ele mais privilegiou não era co­ mum nos templos daquele período. Apenas três templos redondos restaram dos tempos clássicos - o famoso Panteão e dois pequenos templos peripteriais em Tivoli e em Roma. A grande maioria dos templos clássicos seguia, naturalmente, um plano retangular. Toda­ via, durante a Renascença, outros edifícios poligonais da antigüi­dade - como o "templo de Minerva Médica", dodecagonal, em Roma, na verdade o nymphaeum dos Orti Licianini, e as primeiras estruturas cristãs, tais como o Santo Stefano Rotondo e Santa Cons­tanza - eram considerados como templos antigos.
Vitruvio nem mesmo chegou a incluir edifícios redondos entre as sete classes de templos enumeradas no seu Terceiro Livro, mas, ao invés, mencionou-os em forma de apêndice no Livro Quarto ao lado da aberrante forma toscana. Todavia, a predileção de Alberti pela forma poligonal, influenciada pelos Sólidos Platônicos, justifi­cava-se com o pretexto de que representava uma volta à simplicidade litúrgica da Roma de Constantino. Naquele período, o Colégio Ro­mano de Arquitetos foi compelido a transferir sua perícia do desenho dos templos para os pagãos à criação de igrejas para a nova fé oficial. O período constantiniano foi especialmente poderoso para a mentalidade da Renascença, pois que ele representava o único ponto de fusão da arquitetura clássica totalmente desenvolvida com a fé pura do Cristianismo Imperial.
Todavia, na Roma de Constantino, a forma normal das jgrejas era a basílica, um padrão derivado dos Tribunais de Lei. Alberti não aprova esse tipo de edifício, mas menciona de passagem que os cristãos primitivos utilizaram basíIicas romanas particulares para a celebração dos seus ritos. A basílica, assento da justiça humana, rela­cionava-se à religião de maneira simbólica: como se afirmava que a justiça era um dom de Deus; a presença de Deus está para todo o sempre na esfera das decisões jurídicas e, por conseguinte, a basí­lica foi levada para o reino da adoração.
O plano fundamentalmente humano e funcional da basílica foi considerado muito prosaico por Alberti. Ela não desperta no observador um sentimento de reverência e de piedade, Ela não possui o efeito de purificação que induz um estado de inocência primal que agrada a Deus porque não foi construída de acordo com a geometria sagrada. Nas igrejas centralizadas da Renascença, a forma geomé­trica é explícita, diferentemente da geometria arcana que subjaz àbasílica ou à igreja gótica, uma geometria só apreciável pelo ini­ciado. Num plano da Renascença, a geometria pura domina esma­gadoramente. Cada uma das suas partes está harmonicamente rela­cionada, como os membros de um corpo, tornando manifesta a na­tureza da divindade.
Como muitos dos seus contemporâneos, Alberti escreveu extensamente sobre os atributos da igreja ideal. Como seu tema correlato, a cittá ideale, ou cidade ideal, essa igreja é uma expressão idealizada do absoluto cósmico, desenhado como uma manifestação visível da harmonia divina, um conceito essencialmente neoplatônico. Alberti pretendia que sua igreja fosse construída num terreno elevado, livre em todos os lados, no centro de uma praça vistosa. Devia ser ba­seada num plinto elevado que servia para protegê-Ia contra a profa­nidade da vida cotidiana e ser cercada por uma colunada, à ma­neira dos antigos templos dedicados a Vesta.
Sua geometria explícita devia ser coberta por um domo vis­toso, que devia ser adornado internamente com caixotões segundo o estilo do Panteão. A abóbada do domo também devia aparentar se­melhança com o céu, na tradição da interpretação cósmica univer­sal do templo. Assim, como na arquitetura ortodoxa oriental e gó­tica ocidental, toda a igreja redonda era um emblema do mundo ­- a manifestação criada da Palavra de Deus: um receptáculo perfeito da humanidade.
Como as igrejas redondas do período dos Templários, essas igre­jas centrais não eram vistas apenas como microcosmos do mundo, mas também como símbolos da universalidade de Deus. Muitas igre­jas centralizadas reviveram inconscientemente o cubo cósmico na forma de um altar central. O centro, o "uno e absoluto", na icono­grafia cristã, é um reflexo d’Aquele que só existe em verdade. Porque sua onipresença era representada pela realização dos sacramentos, o altar era o centro, o omphalos para o qual todos os raios do edifício convergiam.
Muitas dessas igrejas centralizadas foram dedicadas à Virgem Maria. Essa tendência possuía uma razão simbólica. Desde o período mais antigo da religião cristã, o culto da mãe de Cristo considerava-a a rainha do céu e a protetora de todo o universo. Essas idéias sur­giram da associação da mitologia com seu sepultamento, sua assunção e sua coroação, ecoando a coroa circular da rainha celeste a antiquíssima tradição dos céus circulares.
As igrejas circulares, todavia, conseguiram um sucesso de curta duração. O maior número delas foi construído no período de 1490 a 1560. A Cristandade não desistiria tão facilmente das suas tradi­ções. Em 1483, um artista italiano, Domenico Neroni, seu patrono Ascanio de VuIterra e um sacerdote anônimo foram executados por sacrilégio. Inspirados pelo desejo avassalador de conhecer o Número Perfeito e as proporções que guiavam os escultores antigos na fei­tura das efígies dos deuses, eles conceberam um esquema de evoca­ção desses deuses. Foram sentenciados à morte por realjzarem atos de magia ritual. As proporções antigas foram tão estreitamente li­gadas à religião pagã, que foi só uma questão de tempo a Igreja rejeitar os "templos" de Alberti baseados em sua origem pagã. Even­tos como este devem ter espalhado as sementes da dúvida na mente dos ortodoxos.
Em 1554, Pietro Cataneo, em seu livro I quattro libri di archi­tettura, reiterou o conceito de que o templo era um símbolo do corpo de Deus. Afirmou que, por essa razão, as catedrais deviam ser dedicadas a Cristo crucificado e, como tal, deviam seguir a forma da Cruz Latina. Em 1572, Cado Borromeo, em Instructionum Fabricae ecclesiasticae et Superlectilis ecclesiasticae, investiu contra a forma redonda das igrejas afirmando que ela era pagã. Segundo o Concílio de Trento, ele também recomendou o uso da Cruz Latina.
Embora houvesse controvérsia e sugestões de heresia em rela­ção ao uso de igrejas redondas, os sistemas proporcionais antigos eram tidos como admiráveis pelos ortodoxos. Um documento rela­tivo a S. Francisco della Vigna, em Veneza, fornece-nos um esclare­cimento sobre o sistema proporcional utilizado nas igrejas da Renas­cença construídas com formas ortodoxas. O Doge de Veneza, An­drea Gritti, assentara a pedra fundamental da nova igreja no dia 15 de agosto de 1534 e a construção foi iniciada sob as ordens de Ja­copo Sansovino. Mas, como nas primeiras dificuldades da Catedral de Milão, surgiram discussões a respeito do sistema proporcional a ser utilizado. Um entendido em proporção, Francesco Giorgi, um monge franciscano que publicara em 1525 um tratado sobre a Har­monia Universal (De Harmonia Mundi Totius), foi encarregado de escrever um comentário sobre o plano de Sansovino. O tratado de Giorgi fundira teoria neoplatônica e cristã, o que produziu o efeito de reforçar a crença já existente na eficácia da razão numérica.
Para essa igreja, Giorgi sugeriu que a largura da nave tivesse nove passos, já que essa medida é o quadrado de três. Três é o pri­meiro número real nos termos pitagóricos porque tem um começo, um meio e um fim. O comprimento da nave deveria ser três vezes a largura, o cubo simbólico, 3x3x3, que, como a Cidade da Reve­lação ou o Santo dos Santos judaico, contém as consonâncias do Unj­verso. A razão entre a largura e o comprimento, 9:27, também é analisável em termos musicais, formando um diapason e um diapente (uma oitava e uma quinta). Giorgi, assim, sugeriu a progressão do lado masculino do triângulo platônico para a nave da igreja.
No lado oriental da igreja, a capela deveria ter nove passos de largura e seis de comprimento, representando a cabeça do Homem Vitruviano. No comprimento, essa capela repetia a largura da nave e, na largura, possuía a razão 2:3, um diapente. O coro, também, tepetia as dimensões da capela oriental, resultando toda a igreja em 5x9 = 45 passos de comprimento, um disdiapason e um dia­pente em termos musicais. As capelas laterais da nave eram largas de três passos, e o transepto, de se.is passos. A razão da largura das capelas do transepto para aquela da nave era 4:3, um diatessaron. A altura do teto também mantinha uma relação de 4: 3 com a lar­gura da nave.
Esse sistema global, relacionado às proporções ideais do Homem Vitruviano e às harmonias cósmicas de Platão e Pitágoras, foi recebido com prazer, e até implementado, depois de ter passado pelo pintor Ticiano, pelo arquiteto Serbio e pelo filósofo humanista For­túnio Spira. A fachada da igreja foi completada por Palladio trinta anos depois, de acordo com o mesmo sistema de proporções e de razões harmônicas.
Palladio foi um dos maiores expoentes da geometria sagrada da Renascença. Em seus influentes Quattro libri dell'architettura, Andrea Palladio tentou elaborar um exame geral de toda a arqui­tetura. Ele, naturalmente, acentuou seu débito para com Vitrúvio, e também Alberti. Todavia, foi a Vitrúvio que Palladio deveu sua maior inspiração. Para ele, Vitrúvio era a chave dos mistérios da ar­quitetura antiga, seus sistemas de proporção e seu simbolismo oculto. Mas Palladio não possuía apenas um conhecimento acadêmico da arquitetura clássica. Ele viajara por toda a Itália visitando os restos desses edifícios e produzindo esboços detalhados das medidas a fim de verificar as afirmações vitruvianas.


Palladio escreveu: "Embora a variedade e as coisas novas agra­dem a todos, elas não devem ser executadas ao contrário dos pre­ceitos da arte e ao contrário daquilo que a razão dita; donde se de­preende, que embora os antigos variassem, eles nunca se afastaram das regras de arte universais e necessárias". Com esse exioma em mente, Palladio pôs-se a reinterpretar a geometria sagrada clássica antiga no desenho de seus memoráveis edifícios. As villas de Palladio foram desenhadas com uma simetria rígida derivada de uma única fórmula geométrica. Os compartimentos e seus pórticos foram baseados num retângulo dividido por duas linhas longitudinais e quatro linhas transversais. A sua obra mais famosa, merecidamente, é a Villa Rotondo, um desenho magistral que gerou muitas imita­ções inferiores. Aparentemente, o desenho é mais adequado para um edifício religioso, já que é óbvia nele uma origem cósmica. Em essência, é composto do quadrado quartado da terra que suporta o domo circular do céu. Em todos os edifícios de Palladio, as razões harmônicas são utilizadas no interior de cada compartimento e na relação de cada compartimento com um outro. A velha geometria sagrada dos templos pagãos foi refinada num sistema que serviu às residências palacianas dos ricos.
Palladio exerceu uma influência profunda sobre a arquitetura da Renascença e mais tarde, na Inglaterra, Inigo Jones popularizou seu estilo. Em seus Qllattro libri, Palladio alude a um sistema geral de proporção que utilizou em todas as suas incumbências. Ele de­talha o que considera ser as proporções mais harmoniosas para as razões largura: comprimento dos compartimentos. Como as igrejas de AIberti, a obra de PalIadio recomenda as sete formas místicas dos compartimentos: circular, quadrada, a diagonal do quadrado para o comprimento do compartimento V2, um quadrado e um terço, um quadrado e meio, um quadrado e dois terços e o quadrado duplo. As razões recomendadas são as seguintes: 1; 1:1; V2:1; 3:4; 2:3; 3:5 e 1:2. A terceira é a única que é incomensurável nessa pro­gressão e é o único número irracional geralmente encontrado na geo­metria sagrada da Renascença. Ela aparece em Vitrúvio num sis­tema comensurável e, como tal, talvez represente o último vestígio da geometria sagrada grega antiga, sobrevivente como um fragmento no período romano.
Palladio afirma que há três grupos diferentes de razões que fornecem boas proporções par.a compartimentos e dá para cada um deles um modo de cálculo das alturas baseado num método geomé­trico e aritmético. Supondo-se que um compartimento meça 6x 12 pés (o quadrado duplo), a sua altura deverá ser de 9 pés. Se ele medir 4x9 pés, sua altura deverá ser de 6 pés. No método aritmé­tico, o segundo termo excede o primeiro na mesma medida em que o terceiro excede o segundo. No método geométrico, o primeiro está para o segundo termo assim como o segundo está para o terceiro. Um outro exemplo, mais complexo, é fornecido: o método har­mônico.
Para um compartimento de 6x12, a altura, pelo método harmô­nico, será de 8 pés. Esse método geométrico estava de acordo com a idéia dos harmônicos exposta no Timeu de Platão como "a média excedendo um extremo e sendo excedida pelo outro pela mesma fração dos extremos". Na progressão 6:8:12, a média 8 excede 6 em 1/3 de 6 e é excedida por 12 em 1/3 de 12.
Talvez Palladio tivesse extraído essa idéia diretamente das obras de Alberti, mas ela também fora tratada por Giorgi em seu Harmonia Mundi e por Ficino em seu comentário sobre o Timeu. Ela está baseada, naturalmente, na teoria musical clássica e, como tal, provém diretamente da Harmonia das Esferas, a pulsação mística do Uni­verso reconhecida igualmente por pagãos e por mágicos. Essa idéia é comum à Renascença e ao período medieval, mas foi durante esse último período que ela foi formalizada no comentário de Ficino e em obras como De Musica, de Boécio.
Considerava-se que o uso, na arquitetura, de harmonias deri­vadas musicalmente era uma expressão da Harmonia Divina engen­drada no ato de criação por Deus; em termos modernos, o "eco" da Grande Explosão que deu início ao Universo. Por meio dessa ex­pressividade da Harmonia Divina, estavam integrados os símbolos duais do templo como o corpo do Homem, o microcosmo, e o templo como incorporação da totalidade da criação. Em De Sculptura, pu­blicado em 1503, o autor Pomponius Gauricus formula a seguinte questão: "Que geômetra, que músico foi esse que formou o homem dessa maneira?" Gauricus, novamente, baseou amplamente as suas teorias no Timeu de Platão.
A conexão explícita entre as proporções visuais e audíveis na Renascença traz novamente à baila a possibilidade de que ela possa ter sido derivada inicialmente da necessidade de se construir os templos como instrumentos que pudessem canalizar as energias telú­ricas. No pensamento pitagórico-platônico, a própria música era vista como uma expressão da Harmonia Universal e era parte essencial da formação de um arquiteto. Os grandes arquitetos da Renascença de Brunelleschi em diante estudaram avidamente a música dos antigos. As aberrações arquitetônicas eram vistas em termos de discordância musical e essas alterações do sistema de proporção sig­nificariam que o templo não podia mais agir como um instrumento para a produção da Harmonia Divina. Por exemplo, durante a cons­trução da igreja de S. Francisco, em Rimini, Alberti preveniu Matteo de Pasti de que a alteração das proporções das pilastras "destruiria todas as relações musicais".
Escritores como Lomazzo referem-se constantemente ao corpo humano em termos de harmonia musical. Por exemplo, a distância entre o nariz e o queixo e entre o queixo e o encontro das claví­culas é um diapason, Lomazzo, em seu Idea del Tempio della Pit­tura, publicado em 1590, afirma que mestres como Leonardo, Miguel Ângelo e Ferrari chegaram ao uso da proporção harmônica por meio do estudo da música. Lomazzo menciona como o arquiteto Giacomo Soldati acrescentou às três ordens gregas e às duas romanas uma sexta, que chamou de Ordem Harmônica. Soldati era um enge­nheiro que estava envolvido principalmente com a construção de má­quinas hidráulicas e, assim, era adepto da utilização do conhecimento geométrico necessário à criação de uma sexta ordem de arquitetura. Infelizmente, não sobreviveu nenhum desenho dessa sexta ordem, nem existe edifício algum construído nesse estilo. Todavia, pretendia-se que a sexta ordem deveria conter todas as qualidades inerentes às cinco ordens originais e expressar mais vigorosamente a unidade bá­sica e os padrões harmônicos do Universo.
Acreditava-se que a sexta ordem fosse a recriação da ordem per­dida do Templo de Jerusalém, que foi inspirada diretamente por Jeová quando ordenou a Salomão que o construísse segundo medi­das preordenadas. As alegações pagãs dos ortodoxos foram silen­ciadas. A ortodoxia total do Templo de Salomão, ordenada direta­mente por Deus, foi o precedente para a aplicação das razões har­mônicas da geometria sagrada nos edifícios cristãos. A reconstrução do Templo tantas vezes destruído também se tornou o objetivo de muitos arquitetos desse período. Como Soldati, o jesuíta espanhol Villalpanda estava interessado na recuperação da sexta ordem. Suas pesquisas levaram a uma nova geração do desenho.
Talvez a mais impressionante e complexa obra dentre aquelas que foram ocasionadas pelas teorias a respeito do Templo de Jeru­salém tenha sido El Escorial, o estupendo palácio-mosteiro erigido sob as ordens de Felipe II de Espanha. A fundação do Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial, para dar seu nome completo, foi con­cebida como um ato de ação de graças pela vitória espanhola na ba­talha de San Quentin.
EI Escorial foi construído como um resultado direto de um voto sagrado que Felipe II fez na véspera da batalha. Travada no dia de São Lourenço, a 10 de agosto de 1557, a batalha resultou na derrota dos franceses pelas forças de Felipe. Em reconhecimento desse dia momentoso, o eixo da igreja, e por conseguinte todo o padrão geométrico do mosteiro, foi orientado para o ponto do pôr-­do-sol a 10 de agosto. Esse procedimento era extremamente inco­mum, pois o nascer-do-sol era e é universalmente reconhecido como o horário correto para a determinação de tais alinhamentos.
Diz-se que o plano geral do edifício, na forma de uma grelha, lembra o martírio apavorante do santo padroeiro, de quem o rei era um devoto. Felipe decidiu construir esse grande estabelecimento monástico para a Ordem Hieronimita e o planejou de acordo com revelações bíblicas. A obra de construção foi iniciada a 23 de abril de 1563 e completada 21 anos depois. O arquiteto Juan Bautista de Toledo foi encarregado de dirigir a obra, mas, com sua morte prematura, seu assistente Juan de Herrera levou-a adiante e completou com êxito um magnífico edifício sagrado num estilo muito pessoal. Não obstante, a despeito da sua marca pessoal, os princípios seguiam estritamente os preceitos canônicos. Felipe II e Juan Herrera eram seguidores ardorosos do místico espanhol Ramón Lull, cujas expo­sições matemáticas da Harmonia Universal lhe haviam conseguido a pena de morte por heresia anti-islâmica durante a ocupação moura.
Herrera aplicara anteriormente as harmonias derivadas musi­calmente em sua construção da catedral de Valladolid e pretendeu fazer o mesmo com o Escorial. Basicamente vitruviana em desenho, a geometria é a do ad triangulum. Toda a planta baixa abrange o Homem Vitruviano. No planejamento global, o Escorial ecoa o Campo dos Israelitas, um tema abordado por Villalpanda em seu tratado erudito sobre Ezequiel. Como a imagem do microcosmo, o mosteiro foi fundado num dia astrológica e historicamente favorável e desde o princípio pretendeu-se que ele seria o epítome de todas as artes e letras da época.
O ambiente dos círculos místicos espanhóis da época da fun­dação do Escorial produziram uma obra monumental, In Ezechie­lem Explanationes. Embora fosse publicada após o completamento do mosteiro, ela fornece a chave das idéias inextricavelmente envol­vidas na obra. Dois jesuítas, Juan Bautista Villalpanda e Jeronimo Prado, puseram em prática durante longo tempo uma série de pes­quisas complexas e esmeradas sobre a estrutura e o simbolismo do Templo de Salomão e a sua interpretação na visão de Ezequiel. A reconstrução, e o raciocínio que está por trás dela, ocupa a maior parte do segundo dos três tomos que comentam o Livro de Ezequiel. Estes livros foram financiados por Felipe lI, a quem foi dedicado o primeiro volume. A dedicatória diz que ele "parecia (...) Salomão na grandeza de alma e de sabedoria enquanto construía a mais magnífica e verdadeira das obras reais, San Lorenzo de el Escorial". Esta similaridade imaginosa com Salomão ecoa as mesmíssimas alusões aplicadas ao Imperador Romano Oriental Justiniano e ao Santo Imperador Romano Carlos Magno. Codimus relata que Justiniano, ao ver a grande igreja de Santa Sofia em Constantinopla, exclamou "Salomão, eu o excedi!" e Carlos Magno, segundo seu biógrafo Not­ker, o Gago, construiu as suas igrejas e seus palácios "seguindo o exemplo de Salomão". Além disso, um dos títulos ganhos por Fe­lipe II era Rei de Jerusalém e o Escorial foi modelado segundo o templo dessa cidade.
De acordo com VilIalpanda, a harmonia platônica utilizada por AIberti, PalIadio e Soldati fora revelada a Salomão por Deus. O sistema emprega as harmonias musicais do diatessaron, do diapason, do diapente, do diapason com diapente e do disdiapason; mas re­jeita a sexta consonância vitruviana do diapason com diatessaron. Por estes meios era a relacão complexa dos elementos da arquite­tura clássica relacionada à Vontade de Deus.
Esta vasta obra mística foi lida por um amplíssimo número de pessoas e exerceu uma influência muito grande, pois que sintetizava os mistérios escatológicos do Velho Testamento com as teorias greco­romanas platônicas de Vitrúvio. Herrera, o arquiteto tão intimamente ligado à execução dos desejos de Felipe II, é apontado por VilIal­panda como seu mestre. Como um discípulo de Herrera, Villalpanda estava na posição perfeita para expor os princípios ocultos do Es­corial e seu predecessor, o Templo salomônico. Sua reconstituição pode ser situada em 1580, dezesseis anos antes da publicação, e Herrera, ao ver os desenhos, teria comentado que um edifício de tal beleza só poderia provir de Deus.
Villalpanda e Prado não foram os primeiros comentadores a tentar uma reconstrução perfeita do Templo salomônico. Na ver­dade, o primeiro e talvez mais famoso bibliotecário do Escorial, Be­nito Arias Montano, publicara em 1572 a sua própria interpretação do Templo. O seu plano era todo em estilo clássico com uma torre de quatro estágios à maneira da Renascença. Villalpanda desprezou esse plano como uma fantasia porque "não seguia a especificação da santa profecia, nem mesmo em parte". VilIalpanda, um grande acadêmico versado na Bíblia e um hebraísta, acreditava que ele, através dos exercícios espirituais de sua ordem, chegara à verdadeira mani­festação do Templo. Suas raízes místicas, na verdade ocultas, esta­vam na Cabala hebraica, o cânone pagão de Vitrúvio, e no misti­cismo matemático do herético Ramón Lull.
Os recintos do templo, freqüentemente ignorados pelos reconstrutores posteriores, especialmente aqueles de credo protestante, fo­ram sumamente importantes para Villalpanda. Executadas com a forma geral de um quadrado, as sete cortes representavam astrologi­camente os sete planetas e outros pontos significativos, as casas as­trológicas e as tribos de Israel.
Nem todos os edifícios místicos do período voltavam às fontes bíblicas para dali retirarem sua inspiração. Um edifício único na Inglaterra, que exibe publicamente a geometria sagrada e a matemática oculta, é a famosa Loja Triangular, em Rushton, no Northam­ptonshire. Esse edifício devocional foi erigido sob as ordem de Sir Tomas Tresham, um devoto do catolicismo romano que desejou continuar sua adoração particular num clima político hostil àquela religião. A Loja Triangular era a sua expressão de sua devoção à Santíssima Trindade, e, sendo um emblema da Trindade, foi cons­truída na forma de um triângulo eqüilátero.
Cada um dos lados da loja tem um comprimento de 33 pés e 4 polegadas. Há três pavimentos; três janelas em cada andar em cada um dos três lados e cada janela divide-se em três. Há três inscrições latinas, cada uma das quais tem 33 letras. Uma delas, todavia, é o símbolo &, o que perfaz a centena redonda notável no comprimento total dos lados. O teto foi terminado com três fron­tões de cada lado, e um remate de três lados foi executado acima do teto. Abaixo das janelas do segundo andar, no lado da entrada. há a data 1593 e as iniciais do construtor, T. T. Mesmo a letra "T” é símbolo do três.
O ornameqto, se assim se pode chamar, está profundamente ocultado no volume. Num frontão há as figuras 3898 e abaixo delas
a Menorah, o candelabro de sete ramos dos judeus. No frontão seguinte, há a inscrição Respicite e um relógio solar. No tercejro frontão está o número 3509 e a pedra de sete olhos. Cada um dos três lados representa, assim, um aspecto da Trindade.



A loja continua sendo uma singularidade, embora uma igreja triangular emblemática da Santíssima Trindade tenha sido erigida em Bermondsey, em Londres, em 1962. Os edifícios triangulares são notoriamente desprovidos de praticidade na acomodação de fiéis e poucos foram construídos dessa maneira. A geometria sagrada faz concessões a esse respeito e capacita o arquiteto a incorporar o simbolismo numa maneira arcana. Tresham ultrapassou o método tra­dicional e cometeu uma "loucura" memorável - que continua sendo um testemunho de um extraordinário fervor religioso.

Mais ou menos no mesmo período, a magia, despojada de seu rótulo herético e praticada sob a nova ordem do Rosacrucianismo, começou a florescer abertamente na Inglaterra protestante e polímatos como John Dee e Robert Fludd, cujas pesquisas iam da mate­mátjca à alquimia, via astrologia e ocultismo, criaram vários sistemas de geometria sagrada que codificavam suas descobertas mágicas.

12. A Geometria do Barroco

Aplica-se o termo barroco hoje em dia à arquitetura dos sé­culos XVII e XVIII, tendo sido originalmente um pejorativo deri­vado da palavra italiana baroco. Essa palavra foi usada pelos filó­sofos da Idade Média para descrever qualquer idéia por demais complexa ou qualquer conceito intrincado. Também se aplicava a algo bizarro ou disforme, por exemplo uma pérola, e pressupunha a quebra das regras canônicas da proporção ao capricho do artista ou arquiteto. Assim, o Barroco, como o movimento Art Nouveau posterior, era visto pelos puristas como degenerado por causa do seu ponto de partida mais ou menos distanciado do cânone rígido da arquitetura clássica.
A arquitetura barroca pode ser vista como uma continuação da revitalização clássica da Renascença. Na verdade, os primeiros edifícios em estilo barroco enquadram-se perfeitamente na tradição e podem ser distinguidos apenas por diferenças de detalhe na manipulação do ornamento. Todavia, o Barroco propriamente dito rompe com o estilo recomendado da arquitetura romana e este fato está refletido em sua geometria subjacente.
Afirma-se amiúde erroneamente que na geometria sagrada clás­sica as formas dos edifícios devem ser relacionadas simplesmente às figuras geométricas principais. No Barroco vemos a primeira evasão deste conceito, pois, embora as formas se relacionem às figuras geométricas familiares, elas devem estar relacionadas a um ou dois in­tervalos. Assim, uma forma comum nos interiores da igreja barroca é o oval. Essa forma, como seus precursores espirituais na era megalítica, pode ser baseada em figuras significativas como o triângulo 3:4:5 pitagórico. Ao passo que as fachadas das igrejas e das ca­tedrais barrocas ainda utilizavam combinações de retângulos de raiz, as plantas baixas aumentavam o número de liberdades.
Os edifícios de Gianlorenzo Bernini demonstram admiravelmen­te as complexidades da geometria sagrada barroca. Seu S. Andrea al Quirinale, em Roma, construído como uma igreja para noviços jesuítas, entre 1658 e 1670, era um oval transverso de setenta pés por quarenta, em desafio deliberado à orientação tradicional do altar ao longo do eixo. Desse oval emergem oito capelas laterais que, com o nicho ocupado pelo altar elevado e pela entrada no lado oposto, fornecem uma geometria décupla. Nunca antes fora tentado um plano como este, que não tem paralelo em termos geométricos. Muitos anos antes, o excêntrico arquiteto sagrado Francesco Bor­romini construíra igrejas segundo um sistema ad triangulum modifi­cado. Embora tenha sido feita uma breve tentativa, durante a cons­trução da Catedral de Milão, de se usar o ad triangulum, o sistema era extremamente incomum na Itália antes do século XVII. Talvez a SS Trinita, de Vitozzi, em Turim, seja o único exemplo mais an­tigo, e só foi iniciada em 1598.
O desenho sem dúvida alguma barroco de Borromini para o Archiginnasio, depois sede da Universidade de Roma e mais tarde ainda dos Arquivos Estatais Italianos, incorporou a pequena igreja de Santo Ivo. Ela fora desenhada segundo o plano do Selo de Sa­lomão, dois triângulos interpenetrantes. A planta baixa está embe­lezada pelo desenvolvimento de vértices alternados do selo em re­côncavos semicirculares simples e pelo fechamento dos outros a meio caminho por traços convexos. Paredes convexas e côncavas inte­ ragem, assim, com pequenas paredes intersticiais retas para produ­zirem um interior ondulante que, não obstante, limita-se rigidamente à geometria sagrada.
Externamente, Santo Ivo ecoa o hexágono do interior. Uma cúpula encimada por seis arcobotantes eleva-se para um remate cen­tral que é uma espiral antidextrorsa de três voltas e meia, um eco dos zigurates antigos da Babilônia. Na verdade, muitas ilustrações contemporâneas da Torre de BabeI apresentam essa forma espiral.
As três voltas e meia do remate espiral têm paralelo no número de voltas da serpente interna Kundalini do Budismo Tântrico indiano. Borromini aqui passa um recibo do conhecimento arcano manipu­lado de maneira verdadeiramente moderna.
Na atmosfera conservadora de Roma, a visão genuinamente barroca de Borromini recebeu poucos aplausos. Diferentemente da arquitetura em voga, suas obras baseavam-se mais na pura forma geométrica do que no Homem Vitruviano. Bernini criticou-o, chamando sua arquitetura de extravagante, pois, ao passo que outros arquitetos usavam a estrutura humana como ponto de partida, Bor­romini baseou seus edifícios na fantasia. Utilizar uma geometria in­ comum era considerado heresia, pois ela envolvia princípios e conceitos externos à fé cristã. Afinal, não fazia muito tempo que Giordano Bruno fora queimado na fogueira por heresia (1600). Sua idéia neoplatônica do universo como um todo harmonioso era mais ou menos aceitável na Renascença católica, mas as idéias neopagãs expressas em sua geometria não o eram. Ele utilizara explicitamente diagramas geométricos para expressar os atributos de Deus, figuras microscópicas para uma compreensão do macrocosmo.
A influência de Borromini, todavia, não foi abafada. Seu su­cessor natural foi Guarino Guarini, que desenhou a singular S. Lo­renzo e a Cappella della S. Sindone em Turim. Esses edifícios seguem Borromini na sua utilização usual do ornamento e do esboço. San Lorenzo foi desenhada como um octograma com uma série de suportes de domo que são uma reminiscência de uma prática antiga, como a Grande Mesquita de C6rdova, na Espanha (875). Este padrão octogrâmico, inscrito num quadrado, serviu para a "nave" da igreja, ao passo que um oval formou o santuário. Todavia, como a obra de Borromini, esse oval mascarou um Selo de Salomão, em cujo centro ficava o altar principal.
Outra obra-prima de Guarini foi a capela que ele desenhou para a guarda daquela que talvez seja a mais santa e certamente a mais contenciosa relíquia da Cristandade - o sudário de Turim. Colo­cada entre o coro da velha catedral e o palácio real, essa capela foi concebida como uma estrutura cilíndrica encimada por um domo ad triangulum modificado. Esse ad triangulum não era verdadeira­mente reto, pois continha outra singularidade barroca, uma simetria nônupla. Construído, o corpo da capela tem uma simetria nônupla que se reduz a uma simetria tripla no nível do arco. Este, por sua vez, compõe a abóbada. No centro dela há uma estrela de doze pontas. No todo, a abóbada consiste de 36 arcos e 72 janelas, fato que enfatiza o simbolismo duodécuplo.
A palavra barroco tende a evocar na mente de muitas pessoas uma disposição desenfreada de ornamento aparentemente casual que se mantém suspensa, como que por mágica, de uma tela de fundo de motivos clássicos desconectados arranjados de maneira teatralmen­te espetacular. As igrejas da Europa central, reconstruídas à manei­ra barroca após a Guerra dos Trinta Anos, favorecem a formação dessa imagem. Igrejas como a de Sváty Mikulas em Praga ou a igreja de peregrinação de Vierzehnheiligen na Alemanha talvez sejam exemplos típicos das melhores dessas igrejas. Ambas possuem exteriores retilíneos que ocultam interiores extremamente curvos. Uma série de vesicas, círculos e ovais está perfeitamente articulada a uma estrutu­ra de retângulos.



Em Vierzehnheiligen, o arquiteto Balthasar Neumann executou uma planta baixa totalmente independente do plano da abóbada, combinando, assim, duas geometrias diferentes mas superpostas. Os princípios da geometria sagrada que guiavam os arquitetos da Renas­cença foram modificados e remodificados até que a geometria do edifício fosse modificada por uma pletora de geometrias terciárias e quaternárias. Na Inglaterra, todavia, as velhas tradições foram man­tidas até uma data bastante posterior.
Sir Christopher Wren talvez seja o arquiteto inglês mais famoso de todos os tempos. Só ele, entre os arquitetos, é mencionado nas histórias correntes e suas obras-primas, em Oxford, Cambridge e Londres, são admiradas anualmente por milhares de turistas que, de outra maneira, não costumam se interessar por arquitetos. Wren foi um cientista que chegou à arquitetura por um ponto de vista racionalista. Seu mentor espiritual foi naturalmente o ubíquo Vitrúvio, mas Wren utilizou seus princípios apenas como pontos de partida que ele simplificou. Quando lecionava em Oxford, em 1657, pronunciou uma conferência em que expôs seu ethos:

"As Demonstrações Mntemáticas, constituindo-se sobre as inexpugnáveis Fundações da Geometria e da Aritmética, são as únicas Verdades que podem mergulhar na Mente do Homem. vazia de toda Incerteza; e todos os outros Discursos participam mais ou menos da Verdade, segundo seus Assuntos sejam mais ou menos capazes de Demonstração Matemática.”

Assim, para Wren, a geometria era a pedra de toque, a base in­falível e imutável contra a qual todo conhecimento deve ser julgado. Seus escritos teóricos são poucos, pois os arquitetos ingleses não ten­diam a um autojulgamento nessas práticas, diferentemente de suas contrapartidas italianas. Todavia, em Parentalia, escrito pelo filho de Wren, há um apêndice composto de quatro Tracts, "(...) Bosquejos grosseiros, imperfeitos (...)" que, embora sejam notas fragmentá­rias, esclarecem a prática da geometria sagrada na Inglaterra do século XVII.
O Tract I discute as intenções da arquitetura, que "visa a Eter­nidade". A disciplina da arquitetura é idealmente eterna e, portanto, baseia-se nas Ordens Clássicas que são "a única Coisa incapaz de Modos e de Modas", e, como tal, representam a verdadeira beleza canônica, com uma base estética fundada na geometria.
De acordo com Wren, há duas causas de beleza, a natural e a convencional. A beleza natural deriva diretamente da geometria e as figuras geométricas concordam com a "Lei da Natureza" para formarem o mais belo. A beleza convencional baseia-se na associação e, conseqüentemente, é inferior àquela que deriva geometricamente.
Nas suas igrejas da Cidade de Londres, e na obra-prima da Catedral de São Paulo, a geometria pode ser vista como o princípio condutor. Este fato se evidencia ainda mais no caso de muitos cam­panários de igrejas da City, que são pouco mais do que uma pilha de elementos geométricos. Isso não lhes tira o mérito de maneira alguma, pois cada elemento foi magistralmente combinado com o que está abaixo dele, criando estruturas barrocas ao mesmo tempo elegantes e exóticas. Mesmo o domo de São Paulo pode ser reduzido geometricamente a Mma "pilha de elementos" comparável a um Chorten tibetano e pode merecer uma interpretação simbólica similar.
Embora o nome da Catedral de São Paulo evoque agora visões de uma obra-prima barroca, antes do Grande Incêndio de Londres em 1666 ela era uma das maiores igrejas medievais da Europa. Erguida sobre as fundações de uma igreja mais antiga, essa obra-pri­ma gótica possuía a torre mais alta da Inglaterra. Com 555 pés, a torre era a estrutura mais alta jamais construída em Londres até a construção da Torre dos Correios em 1965. A torre desapareceu num incêndio no século XVI e a catedral gótica foi irremediavelmente prejudicada num desastre que incinerou grande parte da cidade.
A reconstrução da catedral foi discutida pelo "Vitruvius Brit­tanicus", Inigo Jones, Arquiteto da Corte, nos anos 1530. Seus planos nunca foram executados. Mesmo depois do Grande Incêndio, os restos foram arranjados às pressas para utilização posterior, mas por volta de 1672, quando as paredes inclinadas e a pedra de cantaria desintegrada ameaçavam transformar a congregação numa avalanche de pedregulhos, a catedral foi fechada. 'Wren, que fora indicado an­teriormente como o arquiteto encarregado da construção, aceitou a oportunidade de edificar uma nova catedral.
Após muitos planos e modelos, a catedral final emergiu. Basea­da no ad quadratum gótico, o desenho desenvolveu-se de uma estru­tura centralizada albertiana. para um plano tradicional, com nave, naves laterais, transeptos e grande coro. Todavia, foi mantida a característica principal, um espaço central no cruzamento. Geometricamente, as partes da catedral foram desenhadas predominante­mente de acordo com a razão 3:2:1, embora a razão 2: 1 também seja comum. Assim, a nave tem 41 pés de largura e 82 pés de altura; as naves laterais possuem 19x38 pés; o espaço abaixo do domo possui 108 pés de largura e 216 de altura; e as janelas medem 12x24 pés. A geometria básica da planta baixa de todo o edifício foi de­senhada no interior de um quadrado duplo de 250x500 pés. Essa construção nacional tem as mesmas proporções dos templos da Pi­râmide de Escada, do Tabernáculo Hebraico e do Templo de Salo­mão, pontos que não foram perdidos pelos franco-maçons operativos liderados por Thomas Strong, a quem Wren empregou para construir seu magnum opus.



A altura global da catedral também aderiu a dimensões místicas, possuindo 365 pés desde o nível do chão até o topo da cruz dou­rada que encima o vasto domo. Esse número, o número dos dias do ano solar, representa a consumação do ano de Deus, o Tempo Cósmico em que o Reino do Céu se cumpre na Terra. Essa altura de 365 pés foi utilizada nos anos 1930 na catedral anglicana de Guildford, onde Sir Edward Maufe incorporou essa medida ao es­quema ad triangulum. Além das suas conotações anuais, o número 365 equivale em gematria ao nome Abraxas, que, além de ser a ori­gem da palavra mágica Abracadabra, simboliza a consumação de todo conhecimento. Mais importante que isso, a figura 365 pés é uma medida geodésica, ligada diretamente às dimensões do planeta. É a milésima parte da extensão ao nível do chão de um grau da latitude em Londres, que é de 365.000 pés. 'Wren, que certa vez medira o globo da Lua para seu patrono o rei Carlos II, não usaria casualmente essa medida.

13. A Geometria Sagrada no Exílio

Embora após a época de Wren e Newton houvesse um novo mundo secular em construção, durante o século XVlII havia ainda um interesse pelas máximas da harmonia musical de Palladio na construção. Em 1736 surgiu o livro de Robert Morris, intitulado Lectures on Architecture, consisting of rules founded upon Harmo­nick and Arithmetical Proportions in Building. As idéias expostas nesta obra seguiam a teoria de que, exatamente como existem ape­nas sete graus na música que podem ser discernidos pelo ouvido humano, assim também existem apenas sete formas compostas de cubos apropriadas à elegância e à beleza.
De acordo com Morris, 1:1:1 era o cubo perfeito; 1 1/2:1:1 o cubo e meio; 2:1:1 dois cubos colocados lado a lado; 3:2:1 seis cubos perfeitos; 5:4:3 sessenta cubos e 6:4:3 setenta e dois cubos. As proporções harmônicas consistentes que são visíveis hoje em mui­tas casas georgianas atestam seu poder sobre as mentes de muitos arquitetos seculares especulativos do século XVIII. Todavia, por mais imperfeita que sua interpretação da geometria sagrada possa ter parecido ser, esses arquitetos ainda reconheciam que, para se criar har­monia, deve-se começar com uma estrutura geométrica sobre a qual se deve preparar um desenho.
No século XIX, muitas das idéias dos séculos anteriores ha­ viam sido rebaixadas a uma mera cópia. Os únicos arquitetos que trabalharam com forças reais foram os engenheiros civis, tais como Thomas Telford e Isambard Brunel, e mais tarde Gustave Eiffel e Louis Sullivan, que produziram edifícios e estruturas cujas proporções foram exigidas pelas restrições da engenharia. Seus contemporâneos, nesse ínterim, contentaram-se em geral em desenvolver cópias servis de estilo mourisco, gótico, romântico, bizantino, palladiano, palada­no, neo-renascentista, ou, pior, misturas e sínteses bizarras desses estilos. As melhores dessas misturas figuram hoje como maravilhosos monumentos idiossincráticos, os predecessores espirituais da Disney­lândia. As piores sucumbiram há muito tempo ao martelo do demolidor.
A arquitetura sagrada do século passado foi principalmente imi­tativa. Pilhas enormes, como o Sacré Coeur de Paris, erigido para comemorar o esmagamento da Comuna anarquista de 1875, incorporaram a geometria, mas, como as igrejas "decoradas" em todos os detalhes, como as de Pugin, pouco tiveram de místico em seu plane­jamento. A pesquisa sobre esses assuntos é insuficiente. Todavia, po­de-se dizer com alguma certeza que um grande número de igrejas que brotaram entre o proletariado urbano foi desenhado simplesmen­te como exercícios. Cidades como Swindon e Crewe, dormitórios para funcionários explorados de rodovias, foram erigidas com o mínimo de custo e de planejamento, e assim também o foram seus templos espirituais.
No outro lado da moeda, no reino do verdadeiramente oculto, o século XIX foi algo como uma renascença. Livre do temor da inquisição, tendo o poder da igreja sido quebrado pela revolução política e por brechas científicas, os praticantes das velhas ciências ocultas puderam sair à luz e expôr suas teorias e suas descobertas. Surgiu um grande interesse pela astrologia, pelo espiritualismo e por todas as espécies de magia. Necromantes como o mago francês Éli­phas Levi puseram em prática evocações dos espíritos dos mortos - e publicaram livros com os seus resultados. Na sua magnífica obra Transcendental Magic, It’s Doctrine and Ritual, ele descreve em detalhe a evocação do espírito de Apolônio de Tyana, o grande mi­lagreiro pagão da antigüidade. Neste ato, o sinal do pentagrama foi escavado sobre o mármore branco de um altar trazido especialmente com esse objetivo. Depois de vários ritos, um ser foi conjurado, mas a magia de Lévi não pôde controlar esse espírito e ele se perdeu.
Uma tal descrição de uma operação mágica não poderia ter sido publicada antes do século XIX. Era tal a falta de fé no poder da Cristandade, que muitas idéias "frescas" foram postas em circula­ção. Muitos desses conceitos provieram do conhecimento antigo. Na arquitetura, muitos segredos maçônicos e geomânticos antigos foram dívulgados em 1892 com a publicação de Architecture, Mysticism and Myth, de W. R. Lethaby. Cinco anos depois, William Stirling publi­cou anonimamente sua obra-prima incomparável, The Canon, que expôs as conexões entre a arquitetura dos antigos e a revelação má­gica e escritural. Pela primeira vez na história muitos mistérios ocul­tos foram publicados de maneira facilmente compreensível. Os segredos maçônicos, que durante muitos anos haviam vazado aos poucos em vários livros, foram pela primeira vez amalgamados com o conhecimento diversificado que então era colhido dos quatro can­tos do mundo por antropólogos e folcloristas.
The Secret Doctrine e Isis Unveiled, livros de Madame Bla­vatsky, trouxeram muito conhecimento esotérico oriental e egípcio para uma forma facilmente consumível pela mente ocidental. Na verdade, a influência do seu pensamento "teosófico" exerceu uma profunda influência sobre o século XIX, desde os escritos e arquitetura de Rudolf Steiner até os edifícios modernos do grupo De Stijl e até mesmo, por meio da doutrina das raças originais, às teorias racistas dos nazistas alemães. A Ordem ocultista da Aurora Dourada e os seus muitos grupos paralelos também tomaram disponível muito do co­nhecimento metafísico arcano dos mágicos antigos e medievais. Com­binados com essa grande revitalização do conhecimento oculto, os grandes progressos em ciência e tecnologia apresentados nos séculos XIX e XX tornaram possível investigar a estrutura física subjacente da matéria e da geometria orgânica dos reinos vegetal e mineral.
Todavia, o leitor verá que estamos numa época materialista, de maneira que, embora esses princípios arcanos tenham sido publicados, sua aplicação à vida cotidiana foi e é feita de maneira velada. Os princípios da geometria sagrada, não obstante sejam muito bem conhecidos a essa altura, carregam consigo o poder antigo e sua aplicação ainda produz o efeito desejado. Todavia, essa crença infe­lizmente tem hoje o interesse de apenas uma minoria. A maioria das pessoas a ignora; na verdade, sua recíproca também é verdadeira.
No começo do século XX, o culto da iluminação tornara im­possível a um arquiteto admitir que ele estava trabalhando segundo princípios esotéricos. Assim como a geomancia fora em grande me­dida extirpada, e por toda a parte da superfície da Terra fosse considerada igualmente profana, assim também a geometria sagrada foi vista apenas como uma aderência supersticiosa a um sistema sem valor algum para a tradição. De fato, as coisas foram ainda mais longe. A maioria dos arquitetos não estava consciente de que havia uma tradição.
Um livro típico do período, Hints on Building a Church, de Henry Parr Maskell (1905), apresenta um guia muito insuficiente das medidas canônicas. Seu conhecimento da geometria sagrada era mínimo, mas conseguiu escrever uma obra influente sobre constru­ção de igrejas. Por volta de 1905, só os arquitetos versados no saber maçônico antigo, ou, de fato, os franco-maçons praticantes, estavam interessados nas sutilezas da geometria canônica. Muito do interesse passou para teóricos arquiteturais acadêmicos, como Le­thaby.


Maskell escreveu: "Nossos predecessores acreditavam muito na­quilo que a psicologia moderna chama de mente subconsciente. (...) O 'sentido interno' fazia todas as avaliações inconscientemente. Devemos reconhecer que essa crença era justificada, via de regra, em suas obras, mesmo nos assuntos mais abstrusos da acústica e da ventilação". Esta afirmação, naturalmente, não faz sentido. Não se erige por meios "inconscientes" uma catedral como a de Salisbury. com uma torre de quatrocentos pés que resistiu por setecentos anos. Edifícios como esse são o resultado de uma avançada tecnologia de arquitetura, planejados de acordo com os princípios seguros da geometria. Por volta do começo deste século, a idéia de progresso. de­monstrada tão convincentemente por avanços tecnológicos como as telecomunicações, a luz elétrica e os veículos a motor, tornou impos­sível o fato de que os construtores da Idade Média tivessem possuído planejamentos inteligentes. As plantas de execução dos arquitetos me­dievais repousam esquecIdas nas bibliotecas das catedrais. de maneira que a teoria "do inconsciente" era uma desculpa conveniente.
As idéias psicológicas de escritores como Maskell devem ter sido condicionadas pela obra recente de psicólogos como C. G. Jung. Em sua obra mais antiga, Jung discute as fantasias experimentadas por um médium histérico que ele estudara. Em On the Psychology and Pathology of So-called Occult Phenomena, expôs pela primeira vez os conceitos de "arquétipos" e "inconsciente coletivo". Jung descobriu que determinados padrões geométricos e simbólicos tendiam a recor­rer espontaneamente nos desenhos, nas pinturas e nos sonhos dos seus pacientes. Os conceitos antigos dos filósofos gnósticos e dos cabalis­tas cristãos, especialmente o seu simbolismo, ocorrem espontanea­mente ao longo de todas as suas obras. Ele acreditava que esses padrões ocultos fossem, por conseguinte, imagens espontâneas nas mentes das pessoas. Escritores como o místico Jakob Boehme, que viveu no século XVII, expressaram-se longamente sobre símbolos geométricos e alquímicos que, para Jung, eram tão importantes para a idade moderna quanto os postes com letreiros para a geografia da mente, exatamente como o eram no século de Boebme os símbolos do Princípio Divino.
Essas idéias foram retomadas por escritores como Maskell, que via no simbolismo das catedrais a atuação insensata de autômatos ignorantes, levando à frente a sua tarefa de uma maneira inconsciente. Jung mostrara que os padrões arquetípicos gerados espontaneamente correspondiam com perfeição ao simbolismo tradicional da geometria sagrada, de maneira que aquela interpretação era inevitável. O núcleo da corrente ortodoxa da geometria sagrada fora relegado aos livros e às revistas de corpos ocultistas e às teorias de indivíduos excêntri­cos como Claude Bragdon e Antoni Gaudí.
Antoni Gaudí é uma figura importante, se não enigmática, na arquitetura moderna. Católico romano devoto, Gaudí considerava toda ação um ato de piedade, e não menos a sua arquitetura. Mais por conveniência do que por fundamentação lógica, os historiadores da arte categorizam suas obras únicas de fantasia canônica no saco de gatos do Art Nouveau. Os escritores tenderam a enfatizar o bizarro ou o aspecto inovador da sua obra em detrimento da tradição canô­nica dentro da qual ele operava conscientemente. Embora sublinhem as inscrustações orgânicas - os azulejos policromados, os bonecos de cacos de cerâmica, os ferros retorcidos e as paisagens de pesadelo são um sistema de geometria sagrada cujas origens podem ser re­montadas ao ad triangulum medieval da Catedral de Milão e aos esquemas proporcionais de Vitrúvio.
Diferentemente de muitos outros expoentes da geometria sagra­da moderna; Gaudí era totalmente ortodoxo em suas crenças religiosas. Era católico romano, com uma devoção especial ao culto da Virgem. Em cada um dos dias da sua longa vida, ele assistiu aos serviços religiosos apropriados, nos últimos anos chegava a caminhar muitas milhas para fazê-Io. Naturalmente, seu ponto forte era o desenho de igrejas, embora também tivesse desenhado muitos blocos de apartamentos. Acreditou-se que um deles, a Casa Mila, seria a base para uma vasta efígie da Virgem. Essa singularidade, todavia, nunca foi completada, pois a construção coincidiu com a sublevação anarquista de 1909, quando muitas fundações religiosas foram alvo de ataques impiedosos dos insurrecionistas anticlericais. Após a repres­são sangrenta da sublevação, o patrono de Gaudí temeu uma outra revolução, talvez mais bem sucedida, e resolveu não mais marcar sua propriedade com esse estilo. A com una anarquista que se bateu con­tra a cidade durante o ano de 1936 realmente atacou igrejas, mas poupou a Casa Mila, de maneira que sua recusa se mostrou realista.
A obra-prima de Gaudí, cuja construção ainda está em anda­mento, foi o Templo Expiatório da Sagrada Família (a Sagrada Família), Esse edifício enorme, que levará um outro século para ser completado, foi concebido como um símbolo do renascimento cristão da cidade de Barcelona. Gaudí trabalhou muitos anos no projeto, que ainda era fragmentário por ocasião da sua morte em 1926. Seus planos e modelos foram grandemente destruídos durante a Revolução Espanhola dos anos 1930, mas seus seguidores reconstruíram-nos posteriormente a partir de material já publicado. Pretendia-se que a Sagrada Família fosse a progressão lógica da arquitetura gótica "li­bertada do flamboyant", com a utilização de técnicas modernas para evitar a necessidade de expedientes estruturais tais como os arcobo­tantes. De fato, o interesse de Gaudí pela geometria esotérica fez dele um dos primeiros arquitetos dos tempos modernos a empregar o arco parabólico e, por essa razão, seus edifícios contêm aquilo que à primeira vista parece ser um conceito ridículo - pilares in­clinados. Estes pilares, todavia, são o resultado de se considerar a construção de um edifício como um todo que integra mecânica e organ:camente todas as partes de maneira que ela ecoe espiritual­mente, se não funcionalmente, a natureza "abrangente" da arquite­tura gótica.
Diferentemente dos edifícios "copiados", a Sagrada Familia enquadra-se verdadeiramente na tradição da geometria sagrada porque utilizou esse sistema para determinar as suas formas. Essas formas, verdadeiramente modernas para a época, devem pouco ou nada aos estilos passados e, por causa da sua geometria subjacente, são adequadas ao propósito para o qual foram planejadas. Este fato, e não a forma externa, separa a arquitetura realmente sagrada da arqui­tetura meramente inventada ou derivada.
Na mesma época em que surgiram as maiores obras de Gaudí, as idéias do revivescimento dos rosacruzes e as descobertas teosófi­cas de Madame Blavatsky estavam sendo sintetizadas pelo gênio oculto de Rudolf Steiner num sistema novo, a Antroposofia. Nem magia nem religião, a Antroposofia pretendia ocupar um novo nicho entre o artístico e o místico. Steiner, fundador e mentor do credo, construiu uma sede que era uma reprodução do espírito dos templos antigos em tudo menos no nome. Incorporando uma geometria sa­grada verdadeira, esse templo, conhecido como Goetheanum, era a culminação de muitos anos de pesquisa. Em 1911, Steiner pronunciou uma conferência intitulada The Temple is Man, em que discutiu os princípios que subjazem aos templos da antigüidade. Todavia, diferiu do historicismo usual dos seus contemporâneos, pois não falava só dos templos antigos, mas também dos do futuro. Estes, entre os quais se incluía o seu Goetheanum (embora na época fosse conhecido como Johannesbau), deveriam diferir dos templos antigos no fato de serem emblemas do homem que recebera o espírito em sua alma.
Em 1914, em Dornach, na Suíça, Steiner iniciou a construção do seu magnum opus, o projetado Johannesbau. Na época, passara da Teosofia à nova Antroposofia e, por conseguinte, os símbolos que pretendia utilizar eram considerados obsoletos. Tendo extraído da teoria do mundo de Goethe a direção de sua nova arte antroposófica, modificou o nome do templo para Goetheanum.
Steiner acreditava que o Goetheanum era um desenvolvimento do desenho do templo que provinha da antigüidade até sua época por linha direta. Suas idéias enquadravam-se perfeitamente na tradi­ção que esbocei nos primeiros capítulos - o templo como um sím­bolo do corpo do homem. Para o Goetheanum, erigiu-se toda uma teoria corrente da evolução espiritual simbólica da arquitetura. Desde os tempos antigos, afirmou Steiner, até a época do Templo de Salo­mão, reinou o princípio humano. Várias características de sua ma­neira de ser foram expressas no templo. À época de Cristo, o arco e o domo simbolizavam a encarnação do vivo e a excarnação do morto, e as catedrais góticas, baseadas no padrão da cruz, simboli­zavam o sepulcro de Cristo.
Steiner acreditava que, no período medieval tardio, brotara um novo estilo de arquitetura que pretendia abranger toda a humanidade e levá-la a um Cristo subido aos céus. Todavia, esse edifício sobreviveu apenas na poesia, o perfeito Castelo do Graal. Foi na direção desse símbolo ideal que Steiner trabalhou.
O Goetheanum, construído, era uma estrutura de dois domos que os incorporava de uma maneira sem precedentes. Como os tem­plos pagãos antigos, estava orientado na direção leste-oeste, com entrada pelo lado oriental. Um desenho engenhoso, baseado no triângulo 3:4:5 pitagórico, serviu como base para esses dois domos que simbolizavam não só a fusão dos princípios masculino e feminino, mas também a estrutura do cérebro humano. É nessa analogia que a geometria é especialmente engenhosa. No cérebro, a intersecção focal dos dois círculos que compõem a geometria básica do templo, está o corpo pineal. Em termos ocultistas, esse órgão é a sede da alma, o antigo terceiro olho de nossos antepassados arcaicos. Steiner via a pineal em termos do Graal.


Steiner disse várias vezes que as formas arredondadas, art nou­veau, do Goetheanum foram exigidas por uma modificação na função de um templo. Na antigüidade, o homem tinha de encarnar e vir das Esferas Cósmicas à Terra, de maneira que o templo devia ser construído de forma retangular para que o ego divino aí pudesse residir. Na época moderna, todavia, o homem elevava-se do túmulo e se ma­nifestava em sua forma etérea. Por essa razão, a forma arredondada era a mais apropriada. E, também porque simbolizava antes o mun­do orgânico do que o terreno, o templo foi feito de madeira, um material que se conforma à teoria goethiana da metamorfose. Infe­lizmente, a insistência de Steiner na madeira tornou-o um alvo ideal dos incendiadores que o queimaram no final de 1922.
Como uma catedral antiga, o Goetheanum foi aborrotado de simbolismo esotérico. Janelas de vidro colorido com motivos adequados expunham a função simbólica do templo. Na entrada, a janela simbólica Ich shaue den Bau (Eu contemplo o edifício) demonstrava que a elevação pretendia representar um homem em pé, apesar de o templo pretender ser um homem. Este planejamento esotérico como parte de um ethos consistente é típico de Steiner, o gênio místico. Quão atípico ele é em relação ao espírito moderno!
Durante a carnificina da Grande Guerra, os artistas dos países neutros, como a Suíça e os Países Baixos, foram levados por aquele espetáculo atroz a rejeitar a arte de uma era que gerara a lesão corporal dolosa da Frente Ocidental. Artistas desiludidos de Zurique organizaram o movimento anárquico chamado Dada, que rejeitou todo o conceito de arte e procurou deliberadamente infringir o convencional. Nos Países Baixos, que possuíam uma longa tradição de arte "puritana", desenvolveu-se o novo movimento em arte e arqui­tetura, conhecido como De Stijl. Baseado em linhas retas desprovidas de adorno, o De Stijl foi visto como uma rejeição dos anéis floreados do Art Nouveau, que os artistas acreditavam ser decadente, e das fantasias multifacetadas do Wendingen, eu a Escola de Arquitetura de Amsterdã, cujas estruturas espantosas ainda dominam partes de Amsterdã sessenta anos depois.
O De Stijl foi conscientemente baseado em princípios metafísicos e em proporções geométricas. Alguns dos seus conceitos derivaram dos escritos de Spinoza (1632-1677), filósofo místico judeu holan­dês. Spinoza acreditava que os objetos separados e as almas indivi­duais não estão totalmente separadas, mas são aspectos integrais do Ser Divino. Ele escreveu que "toda determinação é uma negação": que a definição das coisas só é possível se se disser o que elas não são. Isto envolve definir as coisas por seus limites, os pontos em que elas debçam de ser elas próprias e se tornam algo que não são. Da mesma maneira, nos muitos escritos teóricos do De Stijl, a ên­fase constante recai sobre as relações entre as coisas: a geometria subjacente é mais importante do que o ser físico.
O arquiteto Theo van Doesburg e o pintor Piet Mondriaan, as luzes condutoras do De Stijl, acentuaram constantemente que seu ob­jetivo era a recriação da harmonia universal. Como Spinoza, eles acreditavam qU6 todas as emoções rompiam esse equilíbrio. Daí se terem esforçado, através da aplicação da geometria sem adornos, por transcender as exigências temporárias do mundo. Spinoza afirmara que a saúde espiritual repousa no amor de uma coisa imutável e eterna. Mondriaan escreveu: "O que é imutável está acima de toda miséria e de toda felicidade: equilíbrio. Por meio do imutável que existe em nós somos identificados a toda a existência; o mutável destrói nosso equilíbrio, limita-nos e nos separa de tudo o que não é nós".
Este não é um sentimento comum entre os artistas modernos, pois tendemos a ver o pintor moderno como um indivíduo centrado em si mesmo. Todavia, Piet Mondriaan estava envolvido com o místico; membro da Sociedade Teosófica Holandesa, tirou uma foto­grafia de Madame Blavatsky em seu estúdio. Artistas teosóficos es­tavam tentando criar uma nova ordem baseada na sabedoria antiga, mas num estilo totalmente moderno. Artistas como o pintor mo­derno Wassily Kandinsky e os compositores Scriabin e Stravinsky, todos eles inovadores extraordinários, também eram adeptos da cren­ça teosófica.
Além dessas influências místicas de Spinoza e Blavatsky, havia também o efeito do místico alemão contemporâneo Dr. Schoenmaekers. Em 1916, quando a idéia do De Stijl esfava sendo discutida, Schoenmaekers vivia em Laren, a mesma cidade em que moravam Mondriaan e Bart van der Leck. Em 1915, foi publicado o influente livro The New Image of the World, de Schoenmaekers, seguido de The PrincipIes of Plastic Mathematics no ano seguinte. Sua aborda­gem mística da geometria influenciou enormemente as idéias do novo movimento. Schoenmaekers escreveu: "Queremos penetrar a nature­za de maneira que a construção interior da realidade nos seja reve­lada". Baseado nesses conceitos místicos, um estilo aparentemente materialista e totalmente moderno é na verdade sublinhado por um ethos antigo, emergindo com a corrente do pensamento ocultista que subjaz à forma arquitetônica.
A sensação geral nos anos 1920 era a de que uma nova era que estava começando manifestava-se de diversas maneiras. Na Alemanha, levou à ascensão de HitIer e à nova ordem do Nacional­-socialismo. Na Rússia, os bolchevistas tentaram reestruturar a vida à imagem da filosofia marxista. Artistas rejeitaram o velho academicismo e voltaram, como a escola De Stijl, àquilo que consideravam formas geométricas puras, essenciais, desprovidas de ornamentos. Entre a proliferação de novos credos, a geometria sagrada platônica antiga ganhou novamente a superfície. Um dos maiores ourives do século XX, Jean Puiforcat, criou obras verdadeiramente clássicas cujas formas se baseavam nos sistemas canônicos antigos de geome­tria e de proporção. Numa carta enviada ao Comte Fleury, escrita em 1933, Puiforcat explicou como descobrira o sistema que utilizava em suas xícaras e em seus vasos art deco:

"Mergulhei na matemática e bebi em Platão. O caminho estava aberto. Dele, aprendi os meios aritméticos, harmônicos e geométricos, os cinco famosos corpos platônicos ilustrados por Leonardo: o dodecaedro, o tetraedro (fogo), o octaedro (ar), o icosaedro (água) e o cubo (terra).”




Os desenhos de Puiforcat, muitos dos quais ainda sobrevivem, trazem como legenda a expressão "Tracé harmonique, figure de départ R V2" e demonstram o mesmo esforço pela harmonia universal eterna que encontramos em todos os períodos de empenho artístico.
No mesmo veio de universalidade, o sistema proporcional ela­borado pelo arquiteto moderno Le Corbusier surgiu muitos anos de­pois. Por volta de 1950, num período de relativo otimismo e na crença de que o governo do inundo já passara o seu momento crí­tico, Le Corbusier considerou ser terrível o fato de que a metrologia do mundo estivesse dividida em dois campos opostos. As nações anglo-falantes ainda aderiam ao sistema imperial inglês de medição, ao passo que o resto do mundo desenvolvido adotara, oficialmente pelo menos, o sistema métrico. Le Corbusier entendia que a pro­porção era a consideração fundamental dos arquitetos e dos constru­tores e que a medida era um instrumento para facilitar a construção. Diante de uma prática de edificação que operava ambos os sistemas na França e na América do Norte, voltou-se contra os problemas quase insuperáveis de trabalhar com dois sistemas incomensuráveis de medição.
Para ultrapassar esta dificuldade, e para estabelecer um meio de criar proporções harmônicas, Le Corbusier voltou ao cânone gre­go antigo da Seção Dourada. A partir dele, por muitos experimentos geométricos complexos, chegou a um sistema modular proporcional coerente a que chamou Modulor - o módulo da Seção Dourada. Como a geometria de Puiforcat, a de Le Corbusier derivou de Platão e dos geômetras gregos, uma geometria que poderia ter sido atribuída a Alberti ou a Wren. O Modular foi concebido como um instrumento de mediçãG. Como a geometria sagrada antiga, ele se baseava con­ juntamente na matemática abstrata e nas proporções inerentes à es­trutura humana.
Um homem com o braço levantado fornece os pontos determi­nantes da sua ocupação do espaço: o pé, o plexo solar, a cabeça e as pontas dos dedos do braço levantado produzem três intervalos. Esses pontos estão numa Série Fibonacci, uma série de razões da Seção Dourada. Dessa "medida natural" deriva um complexo de subdivisões que constituem a essência do Modular. Mas, mesmo com um sistema baseado unicamente em razões, é preciso alguma medida inicial.
Originalmente, Le Corbusier fez de seu ponto de partida um homem hipotético de 1,75 metro de altura - a "altura francesa", como afirmou depois. Os módulos desenvolvidos a partir dessa uni­dade provaram, infelizmente, ser de difícil manuseio e incomensurá­veis com a vida cotidiana. Então Le Corbusier decidiu procurar um ponto de partida melhor. Seu colaborador Py observou que, nos romances policiais ingleses, os hérois, como os policiais, possuem in­variavelmente seis pés de altura. Partindo dessa "altura inglesa" de seis pés, transferiu-a para o sistema métrico: 182,88 centímetros ­ e um novo Modulor foi desenhado. Para sua satisfação e surpresa, as divisões desse novo Modulor baseado na medida inglesa transfe­riram-se para figutas redondas de pés e polegadas - algo não sur­preendente para um sistema natural de medida.




Le Corbusier afirmou repetidas vezes que seu Modulor deri­vado da medida de seis pés fora baseado na escala humana, da mesma maneira como os geômetras provaram, especialmente na Renascença, que o corpo humano está proporcionalizado de acordo com a regra dourada. Essa abordagem quase-mística surge em toda a obra de Le Corbusier. Embora ele tenha sido educado e criado nos termos do materialismo do começo do século XX, ecos do primitivo ethos do homem como o microcosmo podem ser percebidos aqui e ali. A sua afirmação de que a arquitetura deve ser um algo do corpo, um algo da substância bem como do espírito e do cérebro, incorpora per­feitamente a fusão do físico, do espiritual e do intelectual que tem sido característica da melhor arquitetura fundada na geometria sagrada.
Le Corbusier falou repetidas vezes sobre "flanar diante da Porta dos Milagres" e, para abrir caminho através dessa porta, voltou à Seção Dourada. Todo e qualquer objeto de seu escritório estava eventualmente posicionado segundo o Modulor, um sistema rígido e inflexível, ligado a uma forma inconsciente de geomancia. Mas, embora fosse baseado em sólidos princípios antigos, a utilização rígida do Modulor para seja o que for é apenas parte integrante dos mé­todos disponíveis. Com a tecnologia do mundo moderno, usa-se apenas o hemisfério intelectual do cérebro, rejeitando-se o hemis­fério intuitivo. Os geomantes e os geômetras de outrora sempre temperaram seus modelos geométricos com a intuição pragmática, mas a tendência moderna em todas as coisas consiste no extremismo, for­çando um sistema à exclusão de todos os outros.

14. Ciência: O Verificador da Geometria Sagrada

A descoberta e a aplicação da eletricidade por Faraday, Edison, Siemens e Tesla durante o século XIX estabeleceram os fundamentos da era moderna. As cidades puderam crescer com o transporte público barato oferecido pelo ônibus elétrico e a eletricidade for­neceu energia para tudo, desde os trens subterrâneos até a iluminação e as telecomunicações. Os pioneiros dessa nova energia considera­vam-na sujeita a várias leis imprevistas. Os ocuItjstas, fascinados pela nova energia, começaram a ver no seu circuito e nas suas expres­sões físicas um paralelo dos seus poderes.
O "poder", na forma de uma energia canalizável análoga à eletricidade, tem sido estudado tanto por mágicos como por romancis­tas. Exemplificada como o fictício vril do romance The Coming Race de Bulwer Lytton, a existência de um poder similar tem sido encon­trada por antropólogos em várias partes do mundo. O misterioso mana dos Mares do Sul, que se diz ter erguido as várias estátuas de pedra da Ilha de Páscoa, foi comparado às energias ióguicas dos homens santos asiáticos. Entre os escritores influentes, Madame BIa­vatsky e James Churchward discutiram as possibilidades dessas energias.
Os experimentos científicos do físico Chladni e de outros apon­taram o caminho para a relação entre a energia e os padrões geomé­tricos. Chladni descobriu que uma película delgada de areia espa­lhada sobre uma lâmina que vibra mecanicamente formaria determi­nados padrões geométricos fixos que estariam relacionados ao comprimento de onda da vibração. Pesquisas recentes sobre mistérios an­tigos sugeriram que os possíveis comprimentos de onda de forças telúricas podem determinar as geometrias de edifícios. sagrados. Con­siderando-se as noções antigas sobre a harmonia, das esferas, talvez isto seja a fundamental geometria do comprimento de onda do uni­verso criado. Padrões de poder que agora estão sendo examinados por detectores em várias partes do mundo e por Paul Devereux e sua equipe do Projeto Dragão em Rollright Stones podem enquadrar-se nessa categoria. Aqueles que detectam energia nas linhas ley acreditam que essa energia pode ser parte de uma grade global que tem uma forma geométrica precisa. Algumas pessoas Ijgam esses padrões até mesmo ao aparecimento de OVNI’s, dos fantasmas, à perturbação psíquica e à ocorrência de combustão espontânea em seres humanos.
A invenção do microscópio no século XVII e seu aperfeiçoa­mento no século XIX levaram à criação de todo um tema científico, o estudo das estruturas microscópicas. Com a descoberta de que os animais, e as plantas em particular, são compostos de células regu­larmente estruturadas, surgiu um interesse renovado pela geometria. Cientistas tentaram criar uma base teórica para as estruturas geométricas que estavam observando. Grandes cientistas como Lord Kelvin dedicaram-se a estudar o acondicionamento geométrico das células e chegaram às velhas formas de Arquimedes e de Platão. A obra de F. T. Lewis mostrou que a estrutura celular de vários vegetais tende para o corpo de 14-hedron (tetrakaidekahedron) de Arquimedes.
D'Arcy Thompson, que combinou um conhecimento enciclopé­dico de escritos clássimos com uma abordagem extremamente percep­tiva da biologia, talvez tenha feito a maior contribuição à nossa compreensão da harmonia divina. Na sua obra seminal On Growth and Form, publicada no crucial ano de 1917 (o ano da Revolução Russa, da Teoria da Relatividade de Einstein e do surgimento do De Stijl) Thómpson delineou as relações íntimas entre a morfologia das estruturas orgânicas e as forças físicas que moldam o cosmos.
Thompson afirmou que a estrutura básica é em última instância a mesma tanto no ser vivo quanto no não-vivo e que, assim, pode ser determinada por uma análise física do sistema material das for­ças mecânicas. Ela representa uma harmonia e uma perfeição intrínsecas, algo exibido por um instrumento musical afinado, obra de verdadeiro artista e de tudo que está "junto" na natureza. A ciência ortodoxa, no presente, afirma que as formas estruturais dos organismos vivos são totalmente controlados por um padrão genético inato impresso no núcleo de cada célula. Thompson acreditava que as formas de vários órgãos e organismos foram moldadas pelas forças físicas que agem sobre elas. Descobriu que a forma dessas estruturas ecoa exatamente a forma da força física. As formas em miríade da estrutura orgânica existem em conformidade com as leis que governam todas as coisas. Sua beleza incrível origina-se no equi­líbrio que é intrínseco à sua forma "natural", sua conformidade com as leis geométricas inatas do universo, A concha do Nautilus Pero­Iado é formada de acordo com a espiral equiangular, como o são os chifres de determinados carneiros. Outras formas geométricas clássicas ocorrem em toda a natureza.
A metafísica orgânica de Thompson nunca foi muito bem vista pelos cientistas ortodoxos. Suas idéias evolutivas estavam e estão fora de moda e sua abordagem holística opõe-se às tendências reducionistas da ciência moderna. Por outro lado, sua abordagem cien­tífica tornou suas idéias aparentemente inacessíveis àqueles que se interessam pelo lado esotérico da vida. Assim, sua obra continua sendo pouco lida naquelas áreas onde ela poderia despertar esclarecimentos adicionais. As idéias de Thompson, enquanto desprezadas pela ciência estabeleci da, não podem ser refutadas. Talvez sejam afirmações como a seguinte que o coloquem para fora do âmbito da ciência materialista e para dentro da corrente do pensamento ocul­tista ocidental:

"Eu sei que, no estudo das coisas materiais, o número, a ordem e a posição são o indício triplo do conhecimento exato; que esses três; nas mãos dos matemáticos, forneceram o 'primeiro esboço para um croqui do universo' (...) Pois a harmonia do mundo é manifestada em forma e em número e o coração e a alma e toda a poesia da Filosofia Natural estão embebidos do conceito da beleza matemática.”

Vinte anos após o aparecimento do livro de Thompson, os téc­nicos em eletrônica da Alemanha nazista aperfeiçoaram um instru­mento que deveria revolucionar nosso conhecimento sobre o mundo microscópico interior da natureza - o microscópio eletrônico. Esse novo instrumento, que utiliza antes os elétrons do que a luz visível, capacitou os cientistas a ver estruturas milhares de vezes menores do que aquelas que eram visíveis com microscópios de luz. Não foi antes dos anos 50 que as técnicas de preparação de espécimens tornaram possível aos biólogos estudar a estrutura dos organismos vivos com qualquer medida de êxito. Todavia, quando muitos vegetais e animais unicelulares foram examinados, verificou-se que eles forma­vam estruturas inesperadas (conhecidas como "escalas") cujo ar­ranjo e forma aderiam estreitamente aos esquemas antjgos da geo­ metria sagrada. Sendo estruturas orgânicas produzidas de acordo com as leis enumeradas por Thompson em On Growth and Form, elas demonstram novamente, de maneira convincente, a harmonia divina. Os organismos marinhos que o autor estudou pessoalmente com o microscópio eletrônico demonstram os princípios do ad trian­ gulum e do ad quadratum desenvolvidos pelos mestres maçônicos da época gótica. Eles são, de fato, reflexos da ordem natural do universo.




As idéias dos antigos sobre a ordem universal como um as­pecto do criador estão sendo verificadas pela ciência. Elas não po­dem mais ser descartadas como fantasias de néscios. No respeitado jornal científico Nature de 12 de abril de 1979 apareceu um artigo de B. J. Carr e M. J. Rees. Intitulado The Anthropic Principie and the Structure of the Physical World, abrangeu de maneira altamente técnica e matemática as "constantes" microfísicas que governam as características básicas das galáxias, das estrelas, dos planetas e do mundo cotidiano. Os autores apontaram "muitas relações divertidas entre as diferentes escalas" do universo. Por exemplo, o tamanho de um planeta é a média geométrica dos tamanhos do universo e do átomo e a massa de um homem é a média geométrica entre a massa de um planeta e a massa de um próton. Outras variáveis bas­tante criticáveis estão delicadamente equilibradas na estrutura uni­versal para possibilitarem a existência da vida. Nos termos da ciência materialista, essas recorrências notáveis são "coincidências" justas, mas em termos metafísicos elas são exigência fundamental do criador. As médias geométricas representadas pelo planeta e pelo ho­mem ecoam a antiga visão de mundo do microcosmo e do macrocosmo. A única diferença é a terminologia moderna, não-metafísica. Não é de todo surpreendente para aqueles que estão conscientes dos ensinamentos antigos o fato de que a pesquisa cosmológica moderna poderia verificar o conhecimento hermético dos antigos.
As descobertas modernas da ciência repousam naturalmente em termos materialistas. Todavia, toda ciência é teoria e, como tal, está aberta a alterações radicais de interpretação à medida que uma nova prova surja da observação e do experimento. A interpretação que Everett fez dos muitos mundos a respeito da mecânica quântica postulada em 1957 afirma que em cada observação o universo ramifica­-se num grande número de universos paralelos, correspondendo cada um deles a um possível resultado de uma observação. Nessa estru­tura - que fof descrita pelo dramaturgo anárquico e escritor Alfred Jarry, em seu romance neocientífico Exploits and Opinions of Doctor Faustroll, Pataphysician e em Caesar Antichrist -, em que o obser­vador torna-se a personagem mais importante do jogo do universo, encaixa-se a figura antropocêntrica que compreende todo o meca­nismo universal - a figura do homem microcósmico. Em Caesar Antichrist, Jarry resumiu a questão: "Posso ver todos os mundos possíveis quando olho para apenas um deles. Deus - ou eu mesmo - criou todos os mundos possíveis, eles coexistem, mas os homens dificilmente podem vislumbrar um deles". Isto foi escrito meio sé­culo antes da idéia de muitos mundos de Everett.
J. A. Wheeler, no livro Gravitation, publicado em 1971, afirmou esse conceito poético-filosófico numa forma matemática científica. Ele considerou um conjunto infinito de universos, cada um com leis físicas constantes e variáveis. A maioria desses universos poderia ser natimorta, incapaz de, por força de sua física e de sua geometria peculiares, permitir que qualquer ação interessante ocorra em seu interior. Apenas aqueles que se iniciam com as leis devidas e as constantes físicas podem desenvolver-se para um estágio em que possam tomar consciência de si mesmos. Assim, nosso universo exis­tente, capaz de sustentar o nível material de existência, é por sua própria natureza um caso especial, com uma física apropriada e, por conseguinte, uma geometria para a existência. Essa geometria subjacente, reconhecida desde a aurora da humanidade como álgo espe­cial, é de fato um arquétipo da natureza única dessa fase da criação que possibilita a existência do mundo material. Cada vez que se pro­duz uma forma geométrica, faz-se uma expressão da unicidade uni­versal; ela é ao mesmo tempo única em tempo e em espaço e tam­bém eterna e transcendente, representando o particular e o universal.



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